sexta-feira, 24 de julho de 2009

Um Ano de "Desce Mais Uma!"

Há um ano, tomei a decisão de tornar público o trabalho que vinha desenvolvendo. Dadas as facilidades de divulgação, diria até dispersão, da internet, optei por criar este blog. Não foi uma decisão fácil, devida à exposição a que me sujeitaria, mas eu tinha que tentar!

Tudo aconteceu tão rápido, de uma forma tão gratificante e sensacional que até proporções inesperadas foram atingidas. E com muita felicidade anuncio que nesta semana o "Desce Mais Uma!" completa seu primeiro ano de existência. Há pouco reli a minha primeira postagem, onde anunciava e descrevia a idéia do "Desce Mais Uma!". Lembro-me muito bem da sensação que me tomava como se tivesse acontecido há alguns dias, mas agora já estamos celebrando um ano de existência!

Sem vocês, nada disso seria possível e, com certeza, não estaria aqui agora compartilhando deste momento muito importante para mim. Foi visitando, comentando e, inclusive inspirando, que vocês contribuíram para dar vida ao blog e continuidade ao meu trabalho.

Assim, agradeço imensamente o companheirismo de todos vocês em todo este período. Agradeço por permitirem que o "Desce Mais Uma!" continuasse vivo, por permitirem que eu continuasse o meu trabalho e por permitirem que minha tentativa se transformasse neste enorme prazer e realização que tem sido: Muito Obrigado!

Fiz uma reforma e o "Desce Mais Uma!" está de cara nova! Entrem, fiquem à vontade, tragam os amigos, pois hoje é por conta da casa! Garçom: Desce mais uma!

Um grande abraço,

Rafael Castellar das Neves

Multipoesia Convoca para o LiveStream

A nossa já conhecida e parceira revista italiana Multipoesia, que tem o propósito de divulgar poesias e outros trabalhos artísticos em âmbito mundial e em diversas mídias, está com uma nova iniciativa para divulgação e aumento da rede de artistas participantes: o LiveStream.

O LiveStream é uma plataforma televisiva via internet, onde é possível aos usuários criarem canais de “televisão” para publicação e divulgação de vídeos sob demanda. Desta forma, foi criado o canal da Multipoesia: http://www.livestream.com/multipoesia, que está sendo divulgado também via Facebook e YouTube.

Este canal é aberto a todos, não apenas como espectadores, mas também como autores.
O editor da revista, Marco Antinolfi, convida a todos a visitar este canal e aos que interessar a contribuir com os próprios vídeos. A idéia é misturar imagens, áudio e arte constituindo vídeos que não ultrapassem quinze minutos de duração e se encaixem em alguma das seguintes categorias:

- Curta metragem (pequenos vídeos relacionados à arte);
- Música clássica (imagens e músicas clássicas);
- Recitação ou monólogo (trechos teatrais);
- Contos (contos literários com sob imagens e músicas);
- Poesias (poesias sob imagens e músicas).

Os trabalhos, bem como as músicas, devem ser inéditos.

Fiquem à vontade em nos contatar para envio de material e não deixem de visitar.

Abraços!

Rafael

terça-feira, 21 de julho de 2009

Re-humanização dos Jardins

Semana passada, ao chegar a minha casa após o trabalho, liguei a televisão em um telejornal local para ouvir as notícias enquanto esvaziava meus bolsos e minha cabeça. Não demorou muito para ser dada uma notícia que me deixou, no mínimo, perplexo e, pelo tom de voz dos apresentadores e jornalistas, não fui o único.

O apresentador contava em voz inconformada – também pudera – que lojistas da Rua Oscar Freire, aqui de São Paulo, criaram o “Vale Valor”, o que prefiro chamar de “Vale Esmola”. É um vale distribuído aos fregueses que tem a grande oportunidade social de, ao invés de distribuir esmolas, distribuir “Vales Esmolas” aos pedintes. À primeira vista podemos ter a impressão de um sofisticado sistema de amparo social, uma vez que estamos falando de uma das ruas mais glamurosas do mundo. Ainda, considerando os hábitos e estilos de vida dos frequentadores ativos das lojas de alto padrão desta localidade, podemos entender, também, que a dificuldade em manter e carregar os trocados a serem distribuídos como esmolas estaria resolvida. Assim, a nata da sociedade poderia divertir-se nas lojas da Oscar Freire, receber os “Vales Esmolas” – provavelmente proporcionais ao montante gasto, assim os lojistas poderiam se beneficiar do lado emocional dos fregueses –, e distribuí-los teatralmente pelas calçadas aos pedintes. A freguesia e os lojistas poderiam sentir-se heróis sociais enquanto os pedintes poderiam desfrutar de, quem sabe, um desjejum ou até de uma refeição menos indigna.

Tudo parece muito bonito e até louvável se não fosse o fato dos “Vales Esmolas” somente terem valor e poderem ser trocados na “Casa Restaura-me”, uma ONG de apoio a moradores de rua situada no bairro do Brás (para quem não conhece a região, estou falando em cerca de quinze quilômetros de distância). Agora tudo tem um sentido mais claro: a Oscar Freire está ficando feia! E essa foi a maneira que os lojistas, em plena conformidade com os fregueses, encontraram para resolver esse problema. Baseados nos métodos da famosa “Reurbanização” da prefeitura municipal, estão, por conta, reurbanizando os Jardins. Afinal, quem quer exibir uma vitrine, que além de produtos europeus de marcas que tenho dificuldade inclusive de pronunciar, tenha também exposta uma velha suja aos farrapos de nariz escorrendo e fedendo sua desgraça? Ainda, quem quer sair de seu luxuoso carro importado e dividir espaço com esta velha na vitrine da loja e correr o risco dela tocar as barras das roupas pedindo um trocadinho?

Na reportagem: “Não que eles nos incomodem, mas o fato de existir uma situação dessas incomoda as pessoas e dar esmola não resolve nenhuma situação”, diz Rosângela Lyra, presidente da Associação de Lojistas da Oscar Freire.

Bom, até a edição da citada reportagem, a situação era que ninguém ainda havia procurado a Casa Restaura-me para troca dos “Vales Esmolas”. Totalmente justificável uma vez que as pessoas, em primeiro lugar, estão mendigando dinheiro para se alimentar. Talvez, Rosângela Lyra, uma espécie de “Bilhete Único” também pudesse ajudar. Mas não se esqueça de colocar em letras bem pequenas, ilegíveis, o verdadeiro sentido do “Único”: uso único, só de ida. Outra coisa que pode funcionar e é bem simples: experimente atirar ossos bem ao longe, às vezes eles se entretêm com alguma outra coisa e esquecem de voltar – costumava funcionar com os cachorros que apareciam na rua de casa!


Fonte da reportagem: Lojistas estimulam clientes a dar aos pedintes um vale no lugar de esmolas – SPTV Segunda Edição em 14/07/2009.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Transição

Às vezes, outro despertar escuro com o amargor à boca
Do sangue velho transbordante das feridas latejantes que só fazem lembrar.

À volta, fantasmas entrelaçam-se sorrateiramente em vultos indefiníveis e sabidos.
Corpo estremecido e gelado, arrastando-se negado ao adiante.
Cabeça torturada por turbilhões de pensamentos e maldições, incompreensíveis, inseparáveis, dilacerantes.

Pedras às mãos, braços rijos emaranhados ao peito desprotegido que se apavora em tornar a ser morada.
Sorrisos expulsos pela frieza que toma lugar em todos os cantos, esparramando-se pelas juntas e entranhas.
Petrificado por conveniência, arredio por necessidade!

E a lembrança do tudo retorna o que já não era.
Mas o tudo já ficou! Só restaram os espinhos encarnados que lembram o tudo passado ao ferir o futuro impensado, numa ânsia incontrolável de proteger o que foi cinicamente espedaçado pela indiferença.

Ainda que liberto de, após sobreviver heroicamente à assombrosa guerra, estagna-se amedrontado frente ao inconsiderado libertar-se para.
E assim, o que ficou ronda; e o que viria equilibra-se ébrio entre a delícia do incerto e a certeza do nunca.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

A Devida Proteção

Ressurgindo das cinzas: desce mais uma!


Há alguns dias, voltando para casa, eu parei o meu carro sob a luz vermelha de um cruzamento próximo de casa, em uma praça emaranhada por pequenas ruas disformes. Era começo de noite, já escuro, temperatura amena, bem aconchegante. Aproveitei a parada para me espreguiçar como podia dentro do carro – mudar um pouco a posição que era a mesma da última parada na estrada. Passei os olhos pela vista e à minha direita, iniciando a travessia da ruela adjacente, já sob a faixa de pedestres, vinha uma senhora de idade bastante avançada e com sérias dificuldades para se locomover. Vinha a passos frouxos e incertos, quase que tateando o asfalto antes de firmar-se sobre cada pé. Abaixo de um pequeno e delicado gorro pendiam cabelos grisalhos e cansados, não muito longos e indecisos quanto à forma a ser tomada. Usava óculos de armação preta e antiga. Vestia uma blusa de lã grossa, uma longa saia que mantinha certa elegância, grossas meias e sapatinhos pretos – daqueles das vovós e que há muito não via. Escorava-se em uma espécie de bengala que prolongava seu corpo e terminava em quatro pequenos pés, o que lhe dava mais precisão e confiança ao apoio, mas também denunciava uma maior fragilidade em manter-se em pé do que se podia perceber. A dificuldade em atravessar a rua era grande e de cortar o coração. Arrastando-se e esforçando-se, ela escalou a calçada e terminou a travessia alguns segundos depois do semáforo disparar as buzinas atrás de mim.

É triste ver uma pessoa após uma longa vida ter que viver sob situações deste tipo, que transformam um simples e corriqueiro atravessar de rua em uma complexa e dispendiosa tarefa. Contudo, definitivamente, não foi a dificuldade daquela senhora que me chamou a atenção e me fez buscar o desfecho pelo retrovisor do carro; mas aquilo que permitia que ela fizesse todo o percurso apenas preocupando-se em manter-se em pé e adiante. Em momento algum ela olhou para os lados ou levantou a cabeça, ou se preocupou com a mudança do semáforo ou, ainda, se algum outro carro vinha disputar a passagem. Durante toda a travessia, durante todo o tempo, ela estava cercada por uma das mais bonitas, confiáveis e mais respeitáveis proteções que já vi: a de seu esposo!

Era um senhor muito bem apresentado. Tinha uma respeitável postura de movimentos ágeis. Não era luxuoso, mas elegante. De calça e camisa sociais cuidadosamente dispostas, sapatos engraxados e reluzentes e um paletó escuro que completava a firmeza de sua figura. Durante todo o percurso da esposa, ele estava em pé ao seu redor, acompanhando sua travessia a passos firmes e gentis. Ia de um lado para o outro, girando sobre o próprio eixo, mas de forma planejada e articulada, conforme a evolução da situação demandava. Tinha olhares e gestos de atenção e orientação aos que aguardavam o semáforo e, apesar da agilidade, em momento algum teve movimentos abruptos ou questionáveis. Estava certo de si e do que fazia. Marcou-me quando olhou em minha direção – que pareceu olhar diretamente dentro dos meus olhos – e gentilmente espalmou a mão esquerda em sua altura normal com o braço próximo, mas não junto, ao corpo. Assim, pedia a atenção e o cuidado dos demais, estabelecendo o perímetro que lhes era necessário. E já próximo ao fim da travessia e também da mudança do semáforo, posicionou-se ao lado da esposa, mas de costas para ela e frente para o que viesse. Colocava seu corpo diante de qualquer perigo que pudesse, ainda desavisado, aproximar-se dela. Foi quando as buzinas me fizeram continuar meu caminho e os faróis ofuscaram os detalhes no meu retrovisor.

Fiquei realmente encantado com a serenidade e a firmeza daquele senhor, elegantemente misturadas à sua gentileza e calma, dando toda a proteção necessária para sua senhora “atravessar a rua”. E o grande ponto de tudo isso não é a proteção em si, mas o como ela era dada. Todos nós protegemos quem gostamos – e mesmo que apenas nos convém –, mas existem diversas formas de proteger. A proteção pode sufocar o protegido e até o protetor. Pode tornar-se uma arma contra os envolvidos. E neste caso a proteção era providencialmente aplicada – e posso dizer, sem nenhum remorso, invejável.

Apesar de poder, em momento algum ele a tocou, ela a guiou ou ele a equilibrou. Não! Ele apenas deu as condições que ela precisava para fazer o que tinha que ser feito. Não é uma proteção que guia, que faz, que domina, ou que aprisiona; mas uma proteção que permite que as coisas aconteçam por si só, da melhor maneira que o protegido possa fazer. E, por isso, ela podia, literalmente, caminhar com as próprias pernas, concentrando-se e dedicando-se ao que precisava fazer, mas sabendo o tempo todo que ele estava ali, para ela e por ela.

É pelo respeito ao protegido que digo que esta proteção é respeitável. E insisto: completamente invejável e desejável. Quando crescer, quero ser como ele! (Melhor correr, já estou atrasado!)