terça-feira, 22 de junho de 2010

Das Próprias Profundezas

Mesmo depois de ter se desenterrado do meio de um nada, com vermes a lhe comer a carne, e ser agraciado com asas angelicais, e ter voado por terras desconhecidas, rasando sobre mares, planícies e vales, sentindo todos os perfumes, apreciando todas as cores, saboreando todas as sensações e se envolvendo com todos os deuses, ele se viu insatisfeito e angustiado à beira do paredão de onde saltou com a rocha ao peito.

Mas foi sozinho e atordoado, arrastado para a mais escura e gélida profundeza, que ele realmente compreendeu e encontrou o que tanto procurara; e com os pensamentos turvos diante da intensa luz remissora que se apresentara, sorriu seu último pulso, entregando-se com o rosto e coração aquecidos.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Chão Surrado

Cansado de assistir impotente as suas plantações serem sarcasticamente devastadas, o capiau resolveu acabar com tudo e não ter mais o que perder. O solo não mais arou, nem nada mais plantou. Desviou seu riacho e com pesadas pedras murou seu terreno.

Fez um pacto e a todas as chuvas espantou. O chão secou e então rachou.

Livre, sentou-se em sua história e consigo assistiu todos os momentos de sua vida, degustando intensamente cada detalhe dos seus dias.

Numa manhã, porém, pôs-se para fora e parou pasmo diante de uma delicada e perfumada flor a desabrochar no chão batido e trincado do seu terreno. Sem pensar no como ou no porque, caiu sobre os próprios joelhos e, de coração a galope e lágrimas a correr pelo rosto deliciosamente incrédulo, implorou aos céus por chuva.