domingo, 22 de dezembro de 2013

O Vendedor de Joias (E um Feliz Natal)

Semana passada, eu e um amigo saímos do trabalho e fomos para um barzinho encontrar o pessoal do trabalho para revelação do nosso “amigo-secreto”. Mas como ele deixou para comprar o presente de última hora, paramos na Rua Maria Antônia que tem uma loja para o presente que ele precisava comprar. Acho que ali já era Avenida Higienópolis, sei lá... Enfim... Ele entrou comprar o presente e eu fiquei junto à minha moto o esperando, na calçada. Como é inevitável para mim, comecei a olhar para os lados, a olhar para a paisagem, a olhar para os estabelecimentos, a olhar para as pessoas.

Era um quente, muito quente fim de tarde. As pessoas já saiam do trabalho, outras saiam da faculdade, outras simplesmente passavam. Umas passavam apressadas, outras passavam preocupadas, outras se arrastavam; mas passavam. Neste “olhar” que me leva para longe os pensamentos e me aguça os sentimentos, desacelerando minha ansiedade, notei um senhor que não passava. Um senhor que tentava se situar na calçada larga. Como não passava, o olhei melhor e logo nossos olhares se cruzaram, pelo menos tive esta impressão, não sei. Mas o olhar distante dele foi a segunda coisa que me chamou mais a atenção para ele. Não era um olhar distante de quem olha sem objetivo, sem foco; mas de quem busca algo, algo de que precisa e não encontra. Um olhar que chega a misturar desespero e persistência. Uma persistência que só serve para não se entregar ao desespero que já consome a esperança.

Um senhor de idade avançada, escorado com uma das mãos em uma bengala velha e que com a outra segurava gargantilhas que tentava vender. Sem agilidade, ele ficava no meio da calçada, tentando abordar as pessoas que passavam. Umas desviavam antes, não dando tempo suficiente para serem alcançadas. Algumas ele tentava abordar com mais intensidade, outras nem tanto. Outras se assustavam e desviam de supetão, até puxando os braços para não tocá-lo, deixando-o a ver navios. Algumas ele ainda tentava seguir, do jeito que podia, virando-se sobre a bengala e falando abafado que nem podiam ouvir. Perambulava em vão.

Insistente, conseguiu a atenção de uma das pessoas. Uma moça, simpática até. Ele colocou uma das gargantilhas na mão dela, ela conversou um bocado com ele, aparentava não poder comprar ou não tinha interesse; mas com ele conversou e para com ele foi gentil. Outro rapaz também parou e também nada levou. Foi simpático para com o senhor, mas tinha pressa.

Era um senhor grisalho, vestia um largo paletó cinza, calças marrom-claro, também largas, sapatos preto surrados, camisa xadrez e uma gravata escura. Tem uma expressão dura que ora apresentava o cansaço, ora a frustração. Abaixa os braços, respirava, olhava em volta, tomava fôlego e continuava sambando pelo passeio entre as pessoas. Mas estava cansado e acho que lutava contra a hora de ir embora, como uma criança que luta contra o sono.

É o que sobrou para o fim de uma vida inteira, vivida seja lá como – não nos interessa, já foi – mas que agora cobra um preço demasiado alto para se aceitar, sem nem permitir um breve descanso antes da partida.

Espero que ele, pelo menos, tenha um bom Natal...

*         *         *





Com o pensamento no bem do próximo, sem esquecer o descaso dos nossos dias:
Desejo um Feliz Natal e um Novo Ano repleto de sorrisos e abraços para todos!

domingo, 15 de dezembro de 2013

Heróis Escarrados

Despercebidos, impregnados à paisagem,
Ofuscados pelas nossas prioridades
Movem-se aglomerados de células que formam corpos,
Corpos a se descriminar, corpos a se castigar.

Corpos que ganham nomes [para se xingar] e números [para se cobrar]
Que suam para comer e outros gozar
Que se arrastam aos bandos sobre a superfície sem nem poder viver.

Que são abençoados pela ignorância para suportar a existência
Que lhes restam as migalhas do pão que o tal do diabo amassou e cuspiu
Que se esgueiram por entre a desgraça e o desespero.

Reses que fedem o suor do trabalho ainda no ir,
Que já não sabem sonhar, apenas se conformar
Que carregam a tristeza e o cansaço nos olhares
Que levam um dia após o outro na certeza de nada mudar

Que vivem à beira do abismo sem nada para se escorar
Que entrega a vida ao abate lento e impiedoso
Que concedem seu todo sem um nada pedir.
Quem não têm mais afagos, mas bocas reclamantes a alimentar.

Sombras uniformes que surgem e somem na escuridão
Lombos que assam ao sol, talhados pela opressão e pelo descaso.

Heróis escarrados, indignos até de abortos!

domingo, 1 de dezembro de 2013

Eu Sou

Por minha tia Cris Castelar.

*          *          *

Eu sou a metáfora de um poema incompreensível,

Eu sou a claridade de uma luz que nunca se acende,

Eu sou a adolescente que nasceu idosa e que viveu eternamente,

Eu sou a sombra de uma árvore sem copa,

Eu sou o mistério que provoca mas não mostra,

Eu sou o inimaginável, o que não se alcança, o que não se atinge,

Eu sou o real e o obscuro, o passado e o futuro,

Eu sou o hoje , o sempre, o nunca mais,

Eu sou o Eu, o interno e o profundo,

Eu sou um rio, um pesadelo e um suspiro,

Eu sei quem sou, apenas Eu e somente Eu.