segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Vergonhas

Tenho vergonha das pessoas.
Tenho vergonha da cidade.
Tenho vergonha do que vêem,
Do que pensam, do que falam.

Tenho vergonha do que visto.
Tenho vergonha do meu cabelo.
Tenho vergonha do meu andar,
Do meu falar, daquilo que vejo no espelho.

Tenho vergonha do seu olhar.
Tenho vergonha de lhe responder.
Tenho vergonha de apertar sua mão,
De lhe conhecer e de você a mim.

Tenho vergonha do que penso.
Tenho vergonha do que sinto.
Tenho vergonha dos meus atos,
Do meu jeito, dos meus métodos.

Tenho vergonha de sorrir.
Tenho vergonha de chorar.
Tenho vergonha de lutar,
E perder, e falhar.

Tenho vergonha de sonhar.
Tenho vergonha de desejar.
Tenho vergonha de cair,
De voltar à realidade que não quis.

Tenho vergonha do que perdi.
Tenho vergonha do que não consegui.
Tenho vergonha do que conquistei,
Do que ganhei, do que joguei.

Tenho vergonha de não lutar.
Tenho vergonha de me esquecer.
Tenho vergonha de me perder,
Não me achar, não mais ser.

Tenho vergonha de não conseguir.
Tenho vergonha da desilusão.
Tenho vergonha de me conformar
Com minhas fraquezas e me aceitar.

Tenho vergonha do que sou.
Tenho vergonha do que fui.
Tenho vergonha das minhas vergonhas,
De mim, para mim, assim.

domingo, 16 de novembro de 2008

Vôo Noturno

À janela de casa
Entre tragos e baforadas
Garras pegajosas e afiadas
Tomam-me delicadamente pelos ombros.

Suspenso em um vôo calmo
Sobre a cidade com luzes a cintilar
Traçando um corpo instável e colorido
Emaranhado por veias entupidas pela euforia.

As formas se misturam, as luzes se sobrepõem,
E o meu demônio me revela o que os olhos evitam:
Uma prostituta que volta satisfeita,
Outra que rasteja roubada e violada.

Uma velha vasculha o lixo
Sentada à sarjeta, pútrida.
Outra, com pilhas de lixos e entulhos,
Divide o quarto em um cortiço escuro.

Num apartamento sujo de luz fraca,
Em uma orgia violenta e insaciável,
Garotos ricos se lambuzam com um travesti,
Antes de voltar aos seus lençóis limpos e cheirosos.

Entre becos, taças, esquinas, caviar,
Paria o ébrio, torpor, sujeira, doenças,
Indiferença, mentira, violência, intransigência;
E vagam zumbis condenados à existência infernal!

Em uma janela, atenta-me o demônio,
Há mais um, não apenas um,
Sujo como todos, mais podre que vários,
Entre tragos e baforadas, defumado!

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Confuso? Eu?

Amarelo ou azul?
Agrada-me o azul,
Um pouco esverdeado,
Dourado, mediterrâneo.

Quente ou frio?
Frio, com certeza!
Morno também é agradável,
E uma tarde de sol vai bem.

Esquerda ou direita?
Direita, mais seguro.
Apesar de que sou canhoto,
Em mim tudo nasce de lá.

Certo ou errado?
Certo, mas que pergunta!
O errado tem seus sabores – confesso!
Delícias divinamente proibidas.

Noite ou dia?
Dia, sem sombra de dúvidas.
Se bem que os mistérios estão na noite,
E é nela que minha sanidade se perde.

Bom mesmo é um quente amanhecer,
De céu azul-claro, em um dia incerto.
Ou, quem sabe, uma noite fria e nublada
Refletindo, alaranjada, a cidade inquieta,
Sob corpos deliciosamente enrolados por todos os lados.