segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Saudades de Lá de Casa

Ah, tempos áureos, memoráveis!
Preocupava-me menos e melhor.

Divertia-me em trotes ligeiros
Sobre lombo confortável,
Respiração ofegante,
Movimentos ousados.

Suava o corpo quente,
Sob a última fria neblina
De um sábado qualquer,
Por entre o capim tombado
Ao lamber das foices sedentas.

Balançávamos pendurados perigosamente
Aos bruscos trancos e solavancos
Da carroça descuidadamente carregada,
Por forcadas desengonçadas,
Feita um morro pontiagudo, sem recosto.

Refrescava-me à beira da lagoa.
Sol baixo, água à cintura,
Traíras enlouquecidas
Pelos restos ébrios de lambaris
Em uma dança insana na taboa.

Agora, nos sítios, paira o silêncio,
Daqueles que se foram ou desistiram.
Não há quem coma o capim,
A carroça está empoeirada,
As traíras esquecidas.

A vida evoluiu, se sofisticou.
Entre concretos e fumaças,
Apenas minhas lembranças
De uma vida que já foi plena.


(Este texto participou do IV Concurso Literário "Cidade de Maringá", mas infelizmente não foi classificado)

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

"O Bilhete" - Um poquinho de Santa Gertrudes

Neste ano, o Ministério da Cultura promoveu o programa de inclusão "Revelando os Brasis" que teve como objetivo produções de curta-metragens em municípios com menos de 20 mil habitantes. “O Bilhete” foi produzido em Santa Gertrudes (também conhecida como a capital do Mundo), e conta a história de dois jovens que se apaixonam e iniciam seu relacionamento através do uso do sistema de som da cidade, o qual, na época, tinha um programa em que bilhetes enviados pelos cidadãos eram lidos em alto e bom som por toda megalópole. Este sistema consistia de uma sala central e diversos alto-falantes espalhados pela cidade. Tudo era comandado pelo Sr. Roque Arthur (no filme interpretando ele mesmo), que lia os bilhetes, divulgava notícias de jornais, tocava músicas selecionadas e solicitadas, notificava falecimentos e etc.

O curta foi o vencedor do prêmio de audiovisual Revelando os Brasis. Rodado inteiramente em Santa Gertrudes e contou com verba do Ministério da Cultura, bem como apoio e patrocínio da indústria e comércio locais.

Este filme foi produzido e dirigido por Letícia Tonon, uma cidadã Gertrudense, que, na verdade, conta a história de seus pais!

Agora, “O Bilhete” (que revolucionou a sétima arte) está também disponível no YouTube, e gostaria de convidá-los a assistir e prestigiar uma das histórias da minha terrinha (e essa não é de pescador, mas se vocês vissem o tamanho do peixe que peguei no fim de semana, 38Kg, quebrou minha vara, tive que pular no rio.....).

O filme tem cerca de 15 minutos e está dividido em duas partes:
Parte 1

Parte 2

Detalhes técnicos em no blog ReverberAÇÕES.

Grande abraços a todos,

Rafael

P.S.: Ah, aos 6’20” da primeira parte, o padeiro entrega pão para o “Seu Neves” -> é meu tio Migué!!! Dá-lhe família Neves!! Hollywood que se prepare!!

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

José Leitão: O Velho Jovem

Há poucos dias, estava com o pessoal do trabalho parado no semáforo do cruzamento da Rua Afonso Pena com a Rua Ribeiro de Lima, no Bom Retiro em São Paulo, quando fomos gentilmente abordados por um senhor muito simpático que nos oferecia as guloseimas que vendia. Fiquei literalmente encantado com a suavidade de sua voz e a calma contagiante de seu olhar e sorriso. Antes que o sinal se abrisse, teve tempo de nos presentear com um cartão de natal feito no computador de casa, e votos tocantes para nossas vidas.

Alguns dias depois, uma dos colegas que estavam juntos, passou pelo mesmo cruzamento e novamente foi surpreendida: ele lhe oferecera um de seus textos poéticos que acomoda cuidadosamente na caixinha de guloseimas.

Ela nos trouxe o texto e ficamos muito contentes. O texto vem inclusive com telefone para contato para enviarmos críticas ou sugestões. Encantador! Entrei em contato com ele, que autorizou que seu texto fosse publicado nesse blog. No dia seguinte, fomos pessoalmente visitá-lo e fui recebido com um caloroso abraço fraternal.

Ele é o Senhor José Leitão, o Velho Jovem – como também se intitula –, uma pessoa fantástica e batalhadora que sustenta um sonho intenso que lhe transborda ao peito: publicar um livro!

Emocionado e feliz, autorizou que publicássemos não só o primeiro texto que nos deu, mas também um segundo e mais sua foto!

Um grande abraço, Velho Jovem! Que este e tantos outros sonhos seus se realizem!

Obrigado por permitir que divulguemos seu trabalho! Parabéns!







Uma Linda Mulher

Era uma praia e nela eu contemplava o infinito... O sol se punha e o contraste das cores era deslumbrante. O imenso sol alaranjado parecia estar sendo tragado pelo mar... Fiquei de costas para aquele espetáculo, pois percebi que você caminhava em minha direção.

O vento que soprava da imensidão líquida empurrava carinhosamente teus cabelos para trás, e com isso, teu rosto ficava despido e os contornos faciais sobressaíam, dando um requinte maior à tua beleza.

Teus lábios reproduziam um leve sorriso monalístico e eu, parado, estático à tua frente, observava também teu andar compassado, elegante, caminhando em minha direção.

Você olhou para mim fixamente e logo nossos braços se entrelaçaram, tive a sensação de sentir o bater de teu coração sobre o meu coração, e o calor de eu corpo aqueceu a minha alma, e neste precioso instante senti dentro de mim o que se chama felicidade.

Que bom que você existe... E você existe porque estou com você quando o vento lhe tocar, estou com você naquilo que você vê e em tudo que você tocar, estou com você tão perto que dá até para sentir no dia e na noite, enfim, estou com você no começo e no fim, naquilo que você vê e nem nota, estou com você mesmo que estejas só ou quando virares as costas, porque você é um ser humano especial.

Quando não estiver perto de você, me procure no vento, estarei na brisa que sopra teu lindo rosto.

Você é minha linda mulher cuja imagem minha alma esculpiu só para mim para que eu possa venerá-la eternamente. Você é o sândalo que perfuma o ar que eu respiro.

Por José Leitão.



Nobreza

Ser nobre não é ter palácios ou muito dinheiro e viver na mais alta sociedade.

Ser nobre você também poderá sê-lo sem ter nada material.

Todo ser humano tem dentro de si gigantes que não vemos, pois são abstratos, que têm uma força descomunal, como por exemplo.

O amor, o ódio, o dever, o medo, a falsidade, a hipocrisia, a inveja, o ciúme, a maldade e tantos outros adjetivos que precisariam muitas folhas para descrevê-los, se não houver muita sensibilidade e equilíbrio mental para discipliná-los a vida torna-se insuportável.

A nobreza de uma pessoa é sua lama e a bondade de seu coração, se assim você o for realmente, poderá ser um nobre, respeitar para ser respeitado e olhar muito bem para tudo que o cerca, você verá que Deus lhe deu mais do que merece e que atrás de você tem gente com mais necessidade. Doe-se a seu semelhante e divida tudo que é bom e junte-se com outros para consertar tudo que é mau.

Assim você será um grande ser humano, preparado para fazer que todos sejam felizes, encontrará amor e paz, isto é ser nobre. “Você pode”.

Por José Leitão.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Chova-me, Chuva!

Tudo misturado, confuso.
Centenas de pensamentos,
Milhares de sentimentos,
Nenhuma certeza.

O calor frita meu cérebro,
Enseba minha pele,
Molha minha camisa,
Incha meus pés.

Lá fora, nuvens escuras,
Irrompem em ódio e terror,
E anunciam meu alívio.

O céu rasgam a trovoadas,
Misturam-se em devaneio,
Metamórficas.

A poeira já cheira molhada,
O rosto já respira úmido,
O corpo já se fresca ao vento,
Não mais me sinto.

Véus d’água despencam livres,
Em uma dança sensual
Ao sabor do vento.
O corpo se espalha pelo chão.

Lava o ar,
Lava o telhado,
Lava o chão,
Lava-me as entranhas!

Pronto, estou pronto.
Devolva-me a vida,
Renovada, pura, limpa.

Leva-me pela enxurrada!
Estou pronto para tudo,
Como nunca quis estar.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Vergonhas

Tenho vergonha das pessoas.
Tenho vergonha da cidade.
Tenho vergonha do que vêem,
Do que pensam, do que falam.

Tenho vergonha do que visto.
Tenho vergonha do meu cabelo.
Tenho vergonha do meu andar,
Do meu falar, daquilo que vejo no espelho.

Tenho vergonha do seu olhar.
Tenho vergonha de lhe responder.
Tenho vergonha de apertar sua mão,
De lhe conhecer e de você a mim.

Tenho vergonha do que penso.
Tenho vergonha do que sinto.
Tenho vergonha dos meus atos,
Do meu jeito, dos meus métodos.

Tenho vergonha de sorrir.
Tenho vergonha de chorar.
Tenho vergonha de lutar,
E perder, e falhar.

Tenho vergonha de sonhar.
Tenho vergonha de desejar.
Tenho vergonha de cair,
De voltar à realidade que não quis.

Tenho vergonha do que perdi.
Tenho vergonha do que não consegui.
Tenho vergonha do que conquistei,
Do que ganhei, do que joguei.

Tenho vergonha de não lutar.
Tenho vergonha de me esquecer.
Tenho vergonha de me perder,
Não me achar, não mais ser.

Tenho vergonha de não conseguir.
Tenho vergonha da desilusão.
Tenho vergonha de me conformar
Com minhas fraquezas e me aceitar.

Tenho vergonha do que sou.
Tenho vergonha do que fui.
Tenho vergonha das minhas vergonhas,
De mim, para mim, assim.

domingo, 16 de novembro de 2008

Vôo Noturno

À janela de casa
Entre tragos e baforadas
Garras pegajosas e afiadas
Tomam-me delicadamente pelos ombros.

Suspenso em um vôo calmo
Sobre a cidade com luzes a cintilar
Traçando um corpo instável e colorido
Emaranhado por veias entupidas pela euforia.

As formas se misturam, as luzes se sobrepõem,
E o meu demônio me revela o que os olhos evitam:
Uma prostituta que volta satisfeita,
Outra que rasteja roubada e violada.

Uma velha vasculha o lixo
Sentada à sarjeta, pútrida.
Outra, com pilhas de lixos e entulhos,
Divide o quarto em um cortiço escuro.

Num apartamento sujo de luz fraca,
Em uma orgia violenta e insaciável,
Garotos ricos se lambuzam com um travesti,
Antes de voltar aos seus lençóis limpos e cheirosos.

Entre becos, taças, esquinas, caviar,
Paria o ébrio, torpor, sujeira, doenças,
Indiferença, mentira, violência, intransigência;
E vagam zumbis condenados à existência infernal!

Em uma janela, atenta-me o demônio,
Há mais um, não apenas um,
Sujo como todos, mais podre que vários,
Entre tragos e baforadas, defumado!

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Confuso? Eu?

Amarelo ou azul?
Agrada-me o azul,
Um pouco esverdeado,
Dourado, mediterrâneo.

Quente ou frio?
Frio, com certeza!
Morno também é agradável,
E uma tarde de sol vai bem.

Esquerda ou direita?
Direita, mais seguro.
Apesar de que sou canhoto,
Em mim tudo nasce de lá.

Certo ou errado?
Certo, mas que pergunta!
O errado tem seus sabores – confesso!
Delícias divinamente proibidas.

Noite ou dia?
Dia, sem sombra de dúvidas.
Se bem que os mistérios estão na noite,
E é nela que minha sanidade se perde.

Bom mesmo é um quente amanhecer,
De céu azul-claro, em um dia incerto.
Ou, quem sabe, uma noite fria e nublada
Refletindo, alaranjada, a cidade inquieta,
Sob corpos deliciosamente enrolados por todos os lados.

domingo, 26 de outubro de 2008

Entardecer

Com um festival de cores intensas
Pinceladas por todo horizonte,
Ludibria-me o sol ofuscante
Enquanto desce ligeiro.

Abandona-me, covarde,
Em seu calor sufocante,
Que atordoa minha cabeça
E enfraquece meu corpo.

Faminta vem a boca da noite,
Engolindo o céu limpo e colorido.
Ele já se foi,
Estrelas salpicam-se.

Corre a última gota de suor.
Meu corpo se acalma,
O coração acelera apertado,
A vista descansa.

Luzes se acendem,
Ruas se desenham,
Vidas se revelam
Por janelas entreabertas.

O céu negro perdeu,
Agora é alaranjado.
As estrelas fugiram.
A cidade ainda está viva.

Aqui ainda está escuro,
Ainda está vazio,
Ainda está incerto.

A noite será longa e quente,
A cama desconfortável
E o barulho insuportável.

Talvez venha um sono leve,
Talvez a exaustão,
Ou quem sabe, a definição.
Tomara que venha o clarão!

sábado, 18 de outubro de 2008

Ajude-me, por favor!

Olá!
Obrigado por ter vindo,
Quem é você?

Olá?
Acenda a luz,
Está escuro aqui.

Ei!
Sei que está aí,
Te ouvi!
Qual é seu nome?
Pode me ajudar?

Abra a porta,
Está muito frio.

Que bom que está aqui.
Ei, você está aqui, não é?
Por que não fala comigo?
Não me ignore, por favor!

Onde você está?
Me dê sua mão.
Ouço sua respiração,
Não consigo te ver.

Você está lendo, não está?
Então fale comigo!
Não fique aí parado, por favor!
Por que está fazendo isso?

Droga, está doendo!
Alguém aí, fale comigo.
Você ainda está aí?
Não? Alô?

Sei que está,
Sinto sua presença.
Quero sair, é ruim aqui!

Está se divertindo, não está?
Eu não.
Por que vocês sempre fazem isso?
Vêm, me ignoram aí sentados e calados
E depois se vão...

Ei?!

Se foi!
Fiquei.

Olá?

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Um Dia Desses

...É o galo que canta
O sol que levanta
E a noite se espanta

O relógio desperta
A vida se esperta
A preguiça aperta

É o café que se passa
O pão que já assa
E a roupa se amassa

O carro funciona
A economia inflaciona
O coração já pressiona

O escritório lotado
O trabalho pesado
E o corpo estressado

O almoço já tarda
A fome aguarda
O tempo retarda

A noite já chega
O trabalho não chega
A vida está pega

O lar afastado
E o trânsito pesado
O corpo cansado

Apetite não existe
A patroa insiste
E a paz não resiste

O corpo se banha
No lençol se emaranha
E no sono se entranha

É o galo que canta...

sábado, 4 de outubro de 2008

Cadê você?

Há duas quadras para casa e meu corpo desacelera,
Diminui o ritmo frenético da sexta-feira caótica.
A mente liberta volta-se a mim
E me traz as delícias da última noite.

Mais uma daquelas maravilhosas noites
Com você em meus braços,
Seu corpo aconchegado no meu,
Seus braços envoltos em mim, carinho.

Sua boca molhada me levando ao delírio,
Perdido em você, no calor do seu corpo,
Louco, entorpecido, descontrolado.
Pouco dormir, muito amar.

Abrir os olhos, encontrar você ao meu lado
E comprovar com os nossos corpos o amanhecer comum,
O iniciar memorável de um dia qualquer.

Ter você flutuando pela casa,
Se arrumando, se enfeitando, me encantando.

Mas abri a porta, às minhas costas a cidade em alvoroço
Todos eufóricos querendo chegar em casa,
Outros se preparando para a diversão.
À minha frente, a casa vazia.

Tudo quieto, escuro, sem movimentos.
Silêncio terrível!
As cobertas ainda jogadas como deixamos,
Pela casa, paira nosso amor.

Tenho seus rastros,
Sinto seu cheiro,
Procuro você,
Mas você não está.

Onde está você?
Onde está seu carinho que tanto me acalma?
Onde está seu sorriso que tanto me alegra?
Onde está seu olhar que tanto me encanta?
Onde está seu corpo que tanto me chama?

Não há o que ser feito,
Não há ânimo,
Não há razão,
Não há nós!

Venha travesseiro,
Dê-me colo, dê-me consolo,
Enxugue minhas lágrimas.

Acalme meu coração
E me prometa que um dia ela voltará para não mais ir.
Promete?

sábado, 27 de setembro de 2008

Menina da Vida

São os primeiros raios de sol
Que revelam seu corpo estirado,
Sob pedaços de jornais e papéis surrados,
Por entre galhos do jardim da praça.

Corpo que já foi de menina,
Hoje é nem de mulher.
Usado, espancado e lambuzado
Por demônios que lhe violam na noite.

Corpo fedido, objeto podre,
Latrina de vagabundos
Que nele despejam
As mais repugnantes pestes.

Corpo doente, revestido de feridas
Incrustadas, vazantes de pus
Que ressecam na sujeira
Encarnada em seu couro.

Corpo peneirado pelas picadas,
Pútrido pelas pedras que derrete,
Atrofiado pela cola que inala,
Calejado pela violência que lhe cerca.

A inocência nunca lhe visitou,
A infância lhe foi roubada,
De boneca nunca brincou,
Brincaram.

A face nunca maquiará,
Produzida nunca estará,
Desejada nunca será,
E esposa nunca terminará.

Está condenada por toda vida [se é vida]
Pelo crime de ter nascido.
Agora me enoja deitada e manchada
Pelo seu feminino vermelho mensal.

domingo, 21 de setembro de 2008

Jardineiro Vazio

Pica terra pilada!
Sinta meu enxadão
Que brutalmente te viola.
Umedeça-te ao meu suor
Digno do dinheiro do patrão.

Enriqueça teus torrões estéreis
Com o esterco fresco que te presenteio.
Deleita-te com a água que te banho,
Sede não mais sentirás.

Abra-te para minhas sementes e mudas.
Receba-as como filhas.
Aconchega-as em teu ventre
E as faça crescer fortes e viçosas.

Venham pequenos brotos,
Sejam bem-vindos a este mundo cinza.
Despontem-se, brinquem ao sol, pequeninos.
Abram tuas folhas ao vento.

Definhem entorpecidos com o fumo
Pulgões malditos.
Apodreçam ervas daninhas,
Sufoquem-se no veneno letal.

Às pestes que ousam invadir o jardim:
Eu as excomungo desse mundo!

Desabrochem frágeis botões.
Banhem-se ao sol morno.
Sacudam tuas gotículas de orvalho
Que cheias de vida refletem um mundo todo.

Abram-se, tímidas pétalas aveludadas.
Transformem-se em coloridas flores delicadas
Embelezem nossa vista, façam a paisagem,
Como pequenas virgens saboreando o vento.

Pairem tuas fragrâncias sedutoras
Para que transbordemos nossos corações
Dos mais deliciosos e nostálgicos sentimentos.

[Suspira o jardineiro, contemplando o jardim com o peito amargo]
Mas de que me adiantam as flores
Se as raízes não possuo?

domingo, 14 de setembro de 2008

O poeta Rinaldo Aranha nos presenteia com "O Vôo da Mariposa"

Cai a noite na selva de pedras. O espelho pendurado na parede reflete os faróis apressados, como vaga-lumes entrando pela janela da quitinete. Já é hora da mariposa sair do seu casulo. De salto alto, desce a escadaria do arranha-céu para o costumeiro vôo noturno. Sobrevoa os calçadões do centro até o último andar das mais altas copas. Rola num leito de flores e em vários leitos de espinhos. O giroflex vermelho do camburão ofusca seus atentos olhos. Atordoada, atravessa a nevoa da soturna madrugada num vôo rasante sobre um rio etílico. A cada gole de conhaque suga uma refrescante seiva. Na solitária viagem, aspira a poeira de um caminho de terra branca. Então encorajada, bate suas asas para o mais alto dos vôos. Estonteantemente rápida, passa por faces retorcidas, desvia dos fios de alta tensão, bate em todas as janelas fechadas até o último andar e ultrapassa a torre de TV. Mais adiante, acaricia a mata das montanhas num confortável tapete persa e já pode ver a trilha das formigas. Em rodopios, cada vez mais altos, percebe o contorno do globo terrestre na curva da sua esquina. Fascinada pelo brilho das estrelas, repentinamente é alvejada por uma chuva de meteoritos com cheiro de ovo podre, que deixam suas marcas na sarjeta. Na lâmina do canivete que saca da bolsa, escorrega por toda Via Láctea, caindo num buraco negro. E lá, no fim da trilha, às vezes encontra Deus, pousando no peio de um homem desconhecido. Outras vezes encontra o Diabo com uma bomba de inseticida nas mãos.

sábado, 6 de setembro de 2008

À Deriva

Atenta-te, nobre capitão!
Não vês que por águas traiçoeiras
Tripulas sozinho tua nave?

Acalmas o coração,
Aceitas a tua sina.
Não há como guiar-se,
Não estás numa canoa.

Teus homens já não estão,
Tuas velas em frangalhos,
Teus mapas borrados [queima-os e te aqueças].

As estrelas dançam uma valsa sarcástica
Sobre a densa névoa da madrugada.
Entrega-te à deriva.

Não adianta acenares o lampião,
O farol é intermitente e voluntário
E nesta noite não quer te responder.

Conforta-te, fizeras tudo que podia!
Beba teu rum, reze tua unção, salte da prancha,
Mas não espere pelo farol.

Nas rochas baterás antes do amanhecer.
Ninguém virá a seu socorro,
Talvez piratas ao que restar.

Náufrago nunca serás,
Pois já és cadáver, nobre capitão.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

O Poeta Adauto Siqueira propõe "Vazio"

Tenho o hábito de habitar vazios
Tais como:
becos escuros
terrenos baldios
estradas vicinais.
Dizem que isso é prenúnico de loucura,
Nem ligo, e saio pelos campos aprisionando ventos.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Bom-dia

Maldito seja, pesadelo doente
Que em meu merecido descanso irrompe,
Espancando-me ao peito, alucinando-me os músculos
Matando tudo dentro de mim.

Me derrama ondas de dores e desesperos,
Que me apavoram e me esgotam.
Meu corpo sucumbe.

Minhas pálpebras covardes garantem a incerteza da escuridão
Meu corpo moribundo tenta perceber a realidade
Gélido diante da ameaça da realidade ser o irreal

Descubro-me, pois, emaranhado em seu corpo macio e quente,
Nariz enterrado em suas mexas cheirosas,
Boca em um beijo eterno em seu pescoço umedecido.

Meus braços envolvidos com os seus em um abraço memorável
Nossas pernas entrelaçadas – alianças da nossa presença.
Suas costas esguias aconchegadas em meu peito
Compassam meu coração com sua respiração tranqüila.

Trago-te mais a mim,
Minha angústia alivia,
Meu corpo se entrega,
Minha mente desliga.

Choro meus medos
Esqueço a fatalidade
Brindo à realidade.

Você se aconchega,
Aperta meus braços,
Pede meu beijo.

Beijo-te, anjo do meu coração,
Com todo ímpeto de quem foi salvo
Direto das trevas para seus lábios açucarados.

Sinto seu cheiro, sua pele macia,
Seu amor flamejante, seu corpo inquieto:
“Bom-dia!”.

sábado, 23 de agosto de 2008

De Santa Gertrudes para o Mundo...

Pessoal, é com muita satisfação que comunico-lhes que o "Desce Mais Uma!" está exportando material! Agora, além de contarmos com ilustres visitantes Lusitanos, estamos invadindo a Itália.
Logo teremos vinhos em nosso cardápio e poderemos dizer: "Scendi Più Una!"

Confiram no blog de Franco Lofrano e no blog Marina Jonica de Francesco D'Amore.

Abraços e bom fim de semana,

Rafael

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Era uma vez uma Novidade

Ah, como é delicioso o sabor de uma novidade! Aquela novidade de algo surpreendente introduzido em nossas vidas e que nos rouba toda a atenção. Que nos faz dedicarmo-nos de maneiras improváveis e questionáveis. Que derruba valores, conceitos e definições. Que nos faz agir como inconseqüentes, passando por cima de tudo, de todos e até de nós mesmos, apenas para estarmos próximos. Que nos tira a concentração de todo um dia. Que não sai dos pensamentos, ou melhor, que é nossos pensamentos, e exige nossas presenças, ações e olhares. Como é bom viver a novidade, carregá-la no bolso do paletó, para cima e para baixo, exibindo-a a todos, com orgulho e arrogância. Aquela novidade que nos faz rever todos nossos conceitos, nossas atitudes, nossos sentimentos, nossos objetivos, nós mesmos.

Novidades assim nos fazem mudar, construir, destruir e, inclusive, nos enganar, simplesmente para tê-las plenamente em nossas entranhas. Dão-nos razão para um despertar alegre, para um dia entusiasmado, para um adormecer pueril. Fazem com que nossos corações batam empolgados, com que tenhamos o corpo inquieto por sentimentos intensos, com que as rédeas da razão sejam soltas para que possamos sentir o vento tocando nossos rostos enquanto somos tomados por uma sensação de paz em um galope sem destino, em uma praia qualquer, de braços abertos e peitos cheios.

Ah, melhor ainda é ser novidade! Ser desejado, ser perseguido, ser cobrado pela ausência, ser quisto no amanhecer, durante o dia, no tarde da noite. Ser pensamento de quem busca inutilmente o sono. Ser mantido no coração, ser fonte se sonhos de uma vida, ser motivo de felicidade buscada, ser alvo de destino manipulado, ser tido como o escolhido que nunca foi achado. Como é bom ser especial, ser buscado, ser cuidado, ser porto-seguro, ser afago, receber sorrisos de bom-dia.


É, mas a vida tem um senso de humor doente. Brinca conosco de forma cruel: sem que ao menos percebamos, transforma a novidade em algo comum. Aquela novidade se transforma em algo corriqueiro que não merece mais tanta atenção, dedicação e, nem ao menos, desperta aquela inquietude que tanto nos motivara. Desvaloriza-se e perde a prioridade em nossas vidas. Sai do bolso e vai para a estante, onde será vista vez ou outra quando passarmos sem pressa e, talvez, vez ou outra, trará aos nossos pensamentos algumas lembranças ternas do tempo em que ainda era novidade, mas sem aquela intensidade com que foi concebida. Na estante, faz parte da nossa paisagem, estará sempre lá e acreditamos que isso é suficiente. Que nada necessita ser feito, pois, se preciso for, basta apenas esticar os braços para ter a antiga novidade – novo algo comum.
Dizem que é assim que caminham as vidas. Que assim são as coisas. Mas não posso admitir isso, não posso admitir a estante. Não posso admitir que tenhamos o direito de tornar comum algo que nos faz incomum. Deixar de lado, sem mais nem menos apenas acreditando que está intrínseco e dispensa afagos. Uma planta que não é regada cuidadosamente todos os dias não nos mostra suas flores; ela seca!

Quero descobrir como se faz para passar por entre os acontecimentos rotineiros, os problemas, as prioridades, as dificuldades e sair do outro lado ainda como uma novidade. Mesmo não sendo uma novidade nova, mas que ainda seja novidade, eterna. Quero aprender como regar minhas plantas todos os dias para que, ao invés de secarem, continuem a florir minha vida.

Não quero ser paisagem, me nego a terminar em uma estante, empoeirado.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Moleque de Rua

Lá vai ele: menino moleque!
Vai feito barata às janelas dos carros
Que se fecham em desespero à sua presença.

Menino fedido, que de nariz escorrendo à boca
Lambuza as portas dos carros com suas mãos imundas.
Embaça os vidros dos carros com seu hálito malicioso.

Arrasta os pés encardidos, com dedos rachados e unhas gastas
Que tentam se esconder no que resta do chinelo de tira estourada.

Sua mão é ligeira aos olhos cuidadosos.
Sua língua é afiada aos ouvidos misericordiosos.
Sua face é tirana aos corações piedosos.

Leva essas moedas que não são suas.
Míseros centavos que nunca justificam sua existência
E ao menos compram seu veneno.

Deita moleque menino,
Estira ao relento esse corpo usado,
Talvez amanhã alguém lhe note,
Se o caminho atrapalhar.

Não se preocupe, menino sem nome,
Os jornais nada dirão,
Os números não mudarão,
Você nunca foi estatística.

Descansa menino imprestável,
Como você, outros virão,
Sua falta nunca será sentida,
Mas talvez de seus centavos.

Voa anjo pagão!
Seus pecados já foram pagos
Por todas suas vidas.
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Anche in Italiano nello Blog di Franco Lofrano

terça-feira, 29 de julho de 2008

Homem-boneco

Sou boneco de massa,
Modelado pela criação, em forma de Davi, para exibição.

Sou boneco de pano,
Confeccionado com estilo pela arrogância para ser fonte da inveja.

Sou boneco de vidro,
Moldado pela avareza para ser objeto de decoração em uma redoma de cristal.

Sou boneco de ferro,
Forjado pela prepotência para um plano de vida que nunca vi.

Sou boneco de pedra,
Lapidado pela mediocridade, impermeável, impenetrável, exemplar.

Mas sou boneco de gesso,
Quebro, trinco e, quando choro, esfarelo – me jogam fora.

A Espera

O relógio marca 11h23.
Na mesa ainda há migalhas do café da manhã
A xícara tem uma película grossa de café frio.
Na minha boca a saliva está grossa
O gosto é de uma noite mal-dormida com resquício de um café amargo que se acabou.

Minha visão está embaçada,
Meus olhos estão sujos, remelas transbordam pelos cantos
Maquiados pelas minhas insônias intermitentes
Que me roubam o merecido descanso, ou não.

O ponteiro preguiçoso não avança,
A campainha histérica não grita,
O telefone não geme,
A porta não apanha,
Sua voz não me chama.

Meus cabelos sujos, compridos não mantêm a compostura,
Desfeitos como toceiras de colonião após o vento.
Meu rosto cinza e perigoso pela barba por fazer,
Crescida pela preguiça e pelo desgosto.

Minhas unhas sujas aumentam meus dedos
Que ainda seguram a xícara e raspam as migalhas.
Minhas veias agora mapeiam minha vida,
Roxo-azuladas abaixo da minha pele amarela.

Ainda estou aqui,
Sua voz não me chama,
Ninguém chega,
São 11h23.

Bem-vindo(a)!

Olás!!

Seja bem-vindo(a) ao "Desce Mais Uma"!

A intenção deste Blog é publicar alguns textos, pensamentos, crônicas e afins que tenho elaborado nos últimos tempos e contar com os comentários, críticas e sugestões dos colegas visitantes.

Com a existência e aumento do uso deste canal de comunicação para publicação deste tipo de trabalho e - lendo na internet, conversando com um ou outro colega -, resolvi "experimentar". Agradeço ao Alessandro Martins, do blog "Livros e Afins", pelas dicas e apoio na tomada desta decisão.

A idéia é tentar resgatar, sem pretensão, um pouco da idéia do ambiente de um bar, onde entre umas cervejas e outras, entre amigos descontraídos, discutimos os mais inusitados momentos da vida e que acabam marcando e dando origem a pensamentos e sentimentos inquietos. Afinal, bar é cultura.

Sendo assim, puxe uma cadeira, fique à vontade e...Garçom? Desce mais uma, por favor!

Abraços,

Rafael