terça-feira, 30 de junho de 2009

O "Desce Mais Uma!" está baleado

Olá Pessoal!!

Por ocorrências de eventos paranormais originados de forças ocultas, cabalísticas, astrológicas e, inclusive, das mudanças do campo magnético do globo, comunico que:

1) Não sei por quais cargas d'água, mas desde sábado sumiram todos os blogs amigos da seção "Minha lista de blogs". Entrei em contato com o pessoal do Blogger, mas ainda não tive retorno; então, peço aos blogueiros amigos que me enviem os respectivos endereços para que eu possa adicioná-los novamente (pode ser via comentário que não publicarei);

2) Ontem fraturei meu braço esquerdo (sim, é claro que sou canhoto, certo Murphy?) e durante a recuperação (cerca de quatro semanas) estarei operando em capacidade reduzida. Por isso, minhas publicações podem demorar um pouco e não seguirem a periodicidade normal. Assim, apenas gostaria de dizer que o blog não parou, está apenas debilitado.

Um grande abraço,

Rafael

segunda-feira, 22 de junho de 2009

E se...?

Quando você se pergunta:
“E se o momento não for o certo, ou se as coisas correm mais que o calendário – ou o relógio?!
E se a poeira ainda não baixou, ou se as feridas ainda não fecharam, ou se palavras ainda doerem e as lembranças ainda rondarem?
E se não for a pessoa certa, ou se for o começo de mais um fim, ou se for pior dos infernos que volta a se formar?
E se as coisas saírem do controle, ou se ainda estão sob controle, ou se é loucura?

E se for a coisa certa a se fazer, ou se for tudo o que foi procurado agora batendo à porta, ou metade?
E se for um começo diferente, uma coisa diferente, estranha, ou quem sabe algo predestinado?
Mas se não for isso? E se for o que sempre foi? E se estiver errado? Está errado? Tudo?”

É quando eu lhe pergunto:
“E se o que está por vir for a pior das coisas? O pior dos fins - e não o último?
E se não houver controle? E não houver como e porque controlar?
Mas e se for o fim? O maldito fim que tanto fugiu? Que tanto foi procurado e buscado?
E se for um começo único e último?
E se for tudo o que foi negado? E se for o motivo de tantos calos?

E se amanhã os ‘eu’ não mais o serem? E se amanhã a encontrarmos esperando atrás da porta?
E se amanhã Deus se revelar um tirano sarcástico e der seu basta em uma fúria incontrolável?
E se amanhã eu não puder lhe desejar ao menos bom dia? E se estas forem as últimas palavras?
E se esse amanhã for hoje? Daqui um pouco? Agora? Nem tchau?

E se amanhã não for nada disso e isso tudo se tornar apenas um nada? Ido, passado, quem sabe lembrado ou até desejado, mas ido!
E se, seja lá o que for amanhã, se perguntar ‘e se?’ e a resposta for ‘não sei, quem sabe’?
Ninguém sabe e nem se importará, pois já foi!”

Larga suas pedras! Solta as correntes e liberta seus pensamentos, suas perguntas, suas angústias e deixa-os voar para longe e lhe trazerem sonhos para serem vividos: nesta vida ainda!

E quando assim escolher, olha em volta e me verá, pronto!
Caminhe em minha direção, faça-o a passos largos, de braços abertos, sem sentir as pernas, mas o vento em seu rosto, e sorria ao balanço único deste caminhar. Caminhe com seu todo, seu tudo!
E seus olhos brilharão aos meus, seu sorriso será gargalhada às minhas, e flutuará a mim!
E quando a mim chegar, enxugarei suas lágrimas com meu rosto, limparei seu sangue com meu corpo, fecharei suas feridas com meu toque.
Perca-se em meus braços como me perco nos seus.
E será com o meu mais verdadeiro e mal-intencionado beijo que lhe mostrarei que não estou nem atrás nem a sua frente, mas ao seu lado, sem “e se”; apenas sendo!

terça-feira, 16 de junho de 2009

Em Uma Encruzilhada Dessas - Parte III - Final

Levantou o rosto aterrorizado, preparando-se para ser punido pela súbita dúvida que sentira, seu corpo tremia em descontrole total, temendo que lhe fosse negada aquela última chance. Virou-se lentamente, com olhos suplicantes e transbordantes, cabeça baixa e corpo completamente curvado pela vergonha, mal conseguia ver a silhueta da imagem a sua frente.

A outra mão, também grosseira de aparência, calejada, com dedos peludos e unhas negras e compridas, tocou-lhe o queixo com uma delicadeza indescritível: podia-se sentir levemente a aspereza da pele sobreposta quase que totalmente pela doçura pueril do toque que lhe elevava a cabeça. E o medo que lhe abandonava aos poucos, liberou-se quase que totalmente ao ouvir as palavras suavemente proferidas:

- Não tenhas medo!

Ele firmou a cabeça e abriu os olhos encharcados que tiveram que ser secos pelas próprias mãos que os julgavam duvidosos frente à imagem que se definia: um demônio alto e musculoso, coberto por uma pele cor de oliva que se misturava sob pelos e escamas, pequenos chifres despontavam entre os cabelos longos e negros, sobrancelhas grossas sobre olhos amendoados pretos e profundos, uma longa calda escamosa e lisa repousava parte no chão, um sorriso tão sarcástico quanto confiável e um par de asas enormes e repugnantes como as de um dragão cuspidor de fogo.

- Venha comigo! – disse o demônio com uma voz encantadoramente tranquilizante.

Parte de seu medo o retomou. Seguir o anjo era como trair e abandonar a chance que lhe fora dada e ele hesitou. O demônio entendia o que se passava e já de costas para ele disse, com a mão ainda puxando a dele:

- Não te preocupes. Eles sabem que estou aqui. É minha vez e é assim que funciona!

Inseguro e incerto do que estava fazendo, ele deixou-se levar pelo demônio e notou que desta vez seus passos eram inúteis, pois flutuava até a porta da igreja. E o mergulho lhe causaria menos pânico se não fosse pelo seu condutor ser quem era.

Mergulharam no branco da porta da catedral a uma velocidade absurda e assustadoramente deliciosa. Tão rápidos e inclinados ao chão caiam que as sensações se misturavam: pavores arrancadores de entranhas, anonimato sob a face remodelada pelo vento que parecia dilacerar-lhe em pedaços, rejeição ao corpo leve pela alma pesada diante da liberdade de uma queda praticamente livre ao nada; o toque do demônio fazia com que ele mal se lembrasse que estava sendo levado.

E quando, depois de tanto cair, ele se preparava para ver o azul tomar cena por entre o branco indefinível, um laranja avermelhado, quase fogo, se precipitou. Era ondulado como o mar, só que, além da diferente textura, as ondulações não ondulavam – apenas eram.

Ele engoliu seco e pressentiu algo muito ruim, que lhe tomou a voz a ponto de apenas olhar em desespero para o demônio sem nada conseguir perguntar. O demônio continuou seu vôo sem olhar para ele, sabendo o que se passava, mas preferia com prazer ignorar. Aproximaram-se do chão na mesma inclinação a que vinham descendo, sem nivelar para o pouso e, súbita e confortavelmente, reduziram a velocidade e estrondaram ao chão arenoso, como que em um anúncio de chegada.

O demônio soltou a mão dele e deu um passo a frente, contemplando a vista. Fora a forma que usara para deixá-lo um pouco só para que pudesse organizar suas dúvidas. A vista era a mesma em todas as direções. Areias e dunas desfiguradas pelo calor eram as mesmas em todas as direções, com as mesmas sombras em todas as direções, tudo exatamente igual para onde fosse que se olhasse. O calor era escaldante e prejudicava o pensamento, mas não lhes queimava os pés. Ventos sopravam de todas as direções para onde estavam, trazendo areias, calores e lembranças.

Ele permaneceu alguns instantes parado, depois examinou perplexo a simetria da paisagem em todas as direções. O demônio aguardava pacientemente, em um gozo interior extraordinário pelo que estava por vir. E quando ele deu um passo em sua direção para lhe dirigir a palavra, em um simples gesto, o demônio parou todos os ventos. Ouvia-se apenas um leve e contínuo ruído causado pelo intenso calor que ainda emanava do chão refletor. Ele, com dificuldades em ignorar o que acabara de presenciar, deu mais um passo e pôs-se ao lado do demônio:

- Este é o inferno?

O demônio gargalhou prazerosamente com toda a graça do mundo aos idênticos quatro cantos e sua gargalhada ecoou de uma maneira que pareciam outras gargalhadas que esmagavam a pergunta. Então, recompôs-se e virou-se para ele com um sorriso amistoso de um pai prestes a ensinar o jovem filho:

- Não, meu caro, aqui não é o inferno! E creio que não temes o inferno, pois é nele que tens vivido seus últimos anos. Este é apenas um lugar. Um lugar qualquer!

Ainda confuso com a declaração de que o inferno era onde vivia, ele continuou:

- Um lugar qualquer, no meio do nada? Por que me trouxeste aqui?

Então sereno, o demônio lhe explicou com olhos aos olhos:

- Pensas que o inferno em que vives é uma punição, uma condição; quando na verdade é uma opção. Tu és o responsável por viveres o que vives, por seres o que és. Tu és quem permitiu que tudo isso te acontecesse, que tudo isso se formasse em torno de ti, sendo o teu mundo, o teu dilema, a tua reclamação, a tua lamentação, o teu martírio, se preferires! Mas ninguém se importa e nunca se importará! Tens que entender e aprender a andar sobre tuas próprias pernas sem em nada escorar. Tens que aprender a te levantar sozinho, como fizera aos primeiros passos. Tens que olhar para dentro e ver o que realmente é e o que provavelmente seria e, acima de tudo, o que realmente desejas ser. Isso não é o inferno, nem o fim, é um lugar qualquer!

- Agora entendo o que queres dizer. Aprendi logo há pouco o que realmente é preciso para atingir as muralhas prometidas, o como posso me tornar digno de, ao menos, perto delas chegar e, quem sabe até, a elas adentrar, se assim quiserem os céus. Entendo que me trouxeste aqui para me mostrar o que pode acontecer comigo: ser jogado ao nada, ao esquecimento. Agora tudo faz sentido para mim. Tens razão, tenho que me erguer e continuar sozinho pelo caminho, sendo forte e acreditando!

Concluiu estas palavras com uma expressão de satisfação e temor frente ao entendimento de toda situação e do difícil caminho a ser seguido. Mas o demônio não permitiu que aquela sensação durasse e interveio em tom mais firme:

- Não entendeste nada! Não aprendeste nada! Sim, realmente precisa ergue-te e continuar, sozinho. Mas por que pensas que tem que ser por aquele caminho. Por que acreditas que tens que te sacrificar, te entregar e abandonar todo o gozo de uma vida intensamente vivida? Abandonar as alegrias, tristezas, dificuldades, perdas, conquistas, decepções e recompensas de uma vida verdadeiramente vivida para chegar a um lugar que te foi dito como prometido, que nem ao menos sabe se conseguirás chegar ao começo do caminho e, ainda, quem sabe, se chegares nem sabes se te permitirão a entrada? Para que te meteres em um caminho dito como correto, onde na verdade só existem provações para serem superadas? – Por acaso cometeste um crime ao nascer e que agora necessita ser pago com a maior das penas: tua própria vida? – Para que te submeter às mais indiscutíveis e cruéis imposições e condições para chegar ao mundo prometido de onde ninguém sequer voltou ou escreveu para atestar sua existência? De onde nem mesmo seus prometedores te mostraram sequer uma folha seca abandonada aos ventos? Para que acreditar em algo tão inacreditável? Para que te privar das delícias, dos prazeres da vida que somente podem ser saboreados pelo corpo e sentidos que te foram dados? Para que uma vida de tristezas, sofrimentos e preparação para um lugar que nem mesmo os céus garantem a existência? Para que abrir mão da chance de simplesmente ser feliz? Atenta-te a ti mesmo! Seja filho de ti! Criatura de ti, criador!

- Tudo está confuso para mim. Como queres que acredite em ti depois de tanto mal que causaste ao mundo? Como posso acreditar que o que dizes já não é minha primeira tentação, ainda aqui neste lugar? Tudo está confuso!

Naquele momento o demônio sorriu satisfeito e levantou vôo. Voou em círculos sobre ele que perguntou desesperado sobre aonde ia, pedindo que não o deixasse naquele lugar. O demônio em alta voz lhe respondeu:

- Estou deixando-te onde sempre estiveste, em um lugar qualquer. Estou tirando-te a tua chance e dando-te a opção.

- Como assim? Não podes me deixar aqui, como saberei onde está o meu caminho? Ao menos leve-me até ele! Diga-me como percorrê-lo, como ser digno de percorrê-lo por completo, passando por todos os obstáculos!

- Este é o teu caminho. Não vês que todas as direções são iguais? Não vês que tens todas as direções para seguir? Não vês que o único obstáculo é tu mesmo que ainda permanece parado frente a tantas opções? Não vês que é digno de escolher para onde ir?

Neste momento o demônio pairou a sua frente e concluiu:

- O que realmente importa aonde teu caminho te levará? Somente tu podes trilhar teu caminho. Somente tu podes decidir aonde chegar. Podes e deves fazê-lo da forma que quiseres, para onde quiseres – és livre. Basta seguires o caminho! Faça-o!

Então, ao vê-lo transformar as lágrimas em sorriso infantil, deixando para trás as primeiras pegadas, o demônio voou satisfeito de volta aos céus.

Parte I - Parte II

Ao Robinson Milani, meu grande amigo que me contou sobre o caminho!

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Em Uma Encruzilhada Dessas - Parte II

Ele permaneceu alguns minutos em silêncio contemplando o que via e tentando entender o que acontecia. Voltou-se ao anjo que permanecia paciente ao seu lado e perguntou se aquele lugar era como o vale. O anjo respondeu:

– O vale é apenas um simples recanto de descanso para poucos vencedores. Atrás das muralhas está o que não pode ser descrito, o que não pode ser contado e só pode ser permitido àquele que acredita e busca. Aquele que é maior que o vencedor: digno!

– E o que é necessário para poder adentrar àquelas muralhas?

Desta vez o anjo virou-se gentilmente a ele e com um olhar gracioso lhe respondeu:

– Somente aquele que percorre todo o caminho, que passa por todas as provações, com coração aberto e dedicado às palavras, sem desviar um instante, sem deixar-se levar pela mais inocente das tentações, sem duvidar, dedicando-se ao que lhe foi prometido, à sua missão, sem pisar no negro lodo pagão, sem aspirar a imunda poeira do desejo, sem beber envenenada água da vontade, sem provar do suculento fruto do pecado: é o verdadeiro digno de adentrar àquelas muralhas e degustar de tudo aquilo que somente os que lá estão poderiam descrever.

– E sou digno? É por isso que me trouxeste aqui? Para adentrar às muralhas?

O anjo suspirou desgostoso e olhando para as muralhas, com a visão embaçada, respondeu duro:

– Não! Tu nem ao menos estás perto do teu caminho. Trouxe-te aqui porque te foi concedida uma nova chance de percorrer o caminho. E estou te mostrando qual é o fim do caminho. Sinta-se abençoado, pois poucos são aqueles que sequer viram estas muralhas.

– E qual é esse caminho?

O anjo virou-se novamente a ele e disse mais contido:

– Acalma-te e atenta-te! Não é tão simples quanto pensas! Terás que começar antes mesmo da floresta. Terás que cruzar os mares a braçadas, vencer a ira das piores tormentas já vistas, vencer os mais temidos monstros marinhos, sozinho. Não haverá calmaria, calmaria é para os fracos. Se tiveres fé, se acreditares, se te entregares e não desviares, somente assim, chegarás à praia!

“Na praia não poderás ficar, o mar não permitirá e terás que avançar pela floresta. Verás o caminho. Conhecerás o chão e não verás as copas. Sentirás o ar sufocante, o calor que não se dissipa. Passarás por lugares onde nem a mais corajosa e astuta luz passa, serás perseguido por criaturas famintas, enfrentarás aberrações, serás tentado por aqueles que se aproximarão gentilmente e que foram esquecidos pelo caminho. Atravessarás pântanos escaldantes, rios venenosos, matas espinhosas. Não terás nada para comer, sentirás a maior de todas as fomes e somente o pecado será oferecido como alimento, pela mão que trai. E a escuridão só terminará quando do outro lado da floresta saíres. Mas se te desviar, não mais encontrarás o caminho e vagarás como aqueles que tentarão tirar-te do caminho. Se tiveres fé, se acreditares, se te entregares e não desviares, chegarás ao vale!”

“No vale poderás ver a luz, poderás descansar, mas em nada tocar. Dos animais não poderás te saciar, nem das frutas provar, muito menos das águas beber. Sentirás a brisa e saberás que está no caminho, mas não muito poderás ficar. Basta um descanso e um fôlego, pois aqueles que ficarem em demasia são os que se contentam com pouco e não são dignos do que está atrás das muralhas. E esses serão jogados de volta para a floresta e proibidos de retornarem ao caminho e esquecidos pela eternidade.”

“Terás que continuar montanha acima! Se arrastarás pelo gramado que dará lugar a trepadeiras espinhosas que se agarrarão em ti para fazê-lo tropeçar, escorregar, cair. Chegarás aos rochedos úmidos e lisos, terás que te agarrar a eles com as próprias unhas e passar por entre pontas afiadas que te abririam o peito em um simples encostar. Deslizarás! Mas deverás continuar para chegar ao paredão. Nele procurarás por trincas finas que não permitirão o encaixe seguro do teu menor dedo. E no fim, o paredão te engolirá em uma inclinação invertida. Ficarás pendurado pelas mãos injuriadas. E após o paredão será uma íngreme subida, sem rochas, mas neve alta. Estarás acompanhado pelo mais terrível de todos os frios. Não terás agasalhos e terás que passar por toda a tempestade sozinho, sem nada enxergar. Se tiveres fé, se acreditares, se te entregares e não te desviares, chegarás ao cume e verás essa rocha onde nos estamos e nela deverás sentar-te e esperar. Enquanto esperas, serás digno de contemplar a imensidão dos mares, a vastidão e o esplendor das florestas e a alegria e perfeição do vale. E quando o tempo certo chegar, e os guardiões da muralha entenderem que tu és digno, anjos virão em tua busca para a recompensa eterna. Do contrário, bolas de fogo serão lançadas sobre ti para rolá-lo montanha abaixo.”

“Tenha fé! Este é um caminho de uma vida, para torná-lo digno da outra, a prometida, a tão buscada!”

Tendo dito isso, o anjo sorriu para ele e com um toque macio, fechou-lhe os olhos.

Quando abriu-os novamente, estava na igreja, ainda ajoelhado e desacreditado. Mas quando ergueu a cabeça e olhou para as imagens do altar, começou a tremer e a sentir-se assustado por duvidar, arrependido por sua vida, amedrontado por não ser digno e envergonhado de si mesmo. Começou a rezar desesperadamente, de cabeça baixa aos soluços, por perdão e pela concessão de uma última chance para que pudesse percorrer o caminho e tornar-se digno.

Foi então que sentiu um toque firme de uma mão áspera cuidadosamente repousada em seu ombro esquerdo.


Continua...


Parte I - Parte III

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Em Uma Encruzilhada Dessas - Parte I

Aos joelhos, em uma catedral na região central, à penumbra, dividindo um ar pesado e gasto com um ou dois mendigos, ele clamava por luz em sua vida, por orientações, por ajuda, por paz. O silêncio era quebrado por ruídos de carros na rua, tosses tuberculosas, suspiros e orações sussurradas entre pensamentos pecaminosos. Seus olhos transbordavam súplica, dores não reveladas, acumuladas de uma vida de buscas frustradas e tão desacreditadas. Suas mãos se abraçavam com força para manter os músculos rijos para acalmar o corpo que entrava em uma situação de colapso.

Foi então que sentiu um toque leve de uma mão gentilmente repousada em seu ombro direito. Levantou o rosto desfigurado, virou-se vagarosamente tentando se recompor e estremeceu-se à imagem às suas costas: um alto e esguio anjo, de cabelos louros e cacheados, olhos azuis, nariz afilado, pele clara e macia, sob um manto azul claro e com um sorriso sincero e amistoso. Estupefato, ele, trêmulo, escorou-se desgovernado no acento do banco de madeira escura enquanto o anjo lhe estendia a mão. Ele pegou a mão do anjo e levantou-se, com passos incertos seguiu-o até a porta principal por onde entrava uma luz ofuscante que não permitia ver o que se passava do lado de fora.

Ao chegarem à porta, ele se deparou com um nada, um branco. Não havia chão, não havia a rua, não havia nada e quando suas pernas fraquejaram tentando levá-lo de volta para dentro, o anjo deslizou em um mergulho suave e veloz, trazendo-o pela mão. Logo o medo que lhe arrancara as entranhas se aliviou e se transformou em curiosidade, emoções diversas o tomavam e o anjo continuou em manobras arrojadas e confortáveis.

Quanto mais desciam, o branco dissipava-se, azulando-se, tomando texturas, feito lençóis finos dançando ao vento cobrindo o infinito, num balançar gracioso e tranquilizante, escondendo mistérios e belezas inimagináveis, desejáveis. O anjo nivelou e diminuiu. Ele pôde sentir o rosto molhar pela brisa e a maresia tomar lugar em seu corpo. Plainavam rente à água, a ponto de poder ver vultos de cardumes os acompanhando e o anjo lhe disse:

– Veja toda a vida sob estas águas azuis, das mais variadas espécies, cores e formas. Mas não se pode sentir o toque da água, nem ver todo o mundo protegido logo abaixo, pois a água deve ser enfrentada, se merecido for. Somente aqueles que se fazem dignos que podem desfrutá-las.

– E o que é preciso para ser digno de desfrutá-las? – perguntou empolgado ao anjo.

O anjo não respondeu e continuou o vôo. Logo avistaram terra firme e próximo à areia da praia o anjo elevou-se e tudo tornou-se verde revelando extensas florestas que aos poucos tomavam formas, feito um tapete felpudo que cobria tudo que estava abaixo. Quando estavam próximos o suficiente para ver as copas de árvore e sentir o ar gélido e úmido que subia, o anjo novamente diminuiu. Plainavam suavemente sobre o verdume e o anjo lhe disse:

– Veja a beleza do verde da floresta, das mais incríveis tonalidades, com pitadas de coloridos das flores da época, de bandos de aves gritantes, mas não se vê o chão. Pois o chão é para ser trilhado e não admirado. E do chão não se vêem as copas. Somente aqueles que se fazem dignos podem contemplá-las.

– E o que é necessário para ser digno de contemplá-las? – perguntou curioso ao anjo.
O anjo não respondeu e continuou o vôo em silêncio e ele notou que não era possível ver o chão em ponto algum e que talvez ele fosse digno. A floresta terminou em um vale que parecia delicadamente feito a pinceladas. Então o anjo disse:

– Veja quão belo é este vale quase perdido, quase esquecido. Olhe o gramado que o reveste, é como uma película aveludada que faz cócegas aos pés descalços. Finos e transparentes córregos o cruzam e se encontram naquela lagoa, e continuam em um riacho mais ousado. Os animais pastam despreocupados, as plantas florescem sob a luz clara e leve deste imutável sol de primavera. A brisa é constante e fresca e varre toda a cena, com a delicadeza de um toque maternal. Tudo é cuidadosamente cercado por estas montanhas rochosas e esculturais que são altas o suficiente para nãos serem transpassadas por aqueles que não são dignos e estrategicamente colocadas para não esconderem nada com suas sombras durante o dia. Aqui é um recanto àqueles que são dignos. Aqui podem tomar fôlego e recuperar as energias para a última jornada.

– E o que é necessário para ser digno para poder repousar meu corpo velho e cansado? – perguntou desejoso ao anjo.

O anjo novamente não respondeu e continuou o vôo em silêncio, mas desta vez em alta velocidade em uma ira súbita, rumo à parede rochosa de uma das montanhas e no último instante manobrou para cima, a centímetros da parede, e subiu a toda velocidade, rente ao paredão que já não tinha mais verde, mas começava a se tornar branco. Ele foi tomado pelo medo e não entendia porque tinham deixado o vale e porque o anjo agia daquela forma, mas o pavor não permitia nenhuma palavra, nenhuma reação. Bruscamente o anjo diminui e delicadamente pousaram sob uma pequena plataforma rochosa, coberta por gelo, acima das nuvens e o anjo lhe disse:

– Vê aquelas muralhas?

– Sim! – respondeu ele se esforçando para ver onde terminavam, mas estavam cobertas pelas nuvens. – Até onde vão?

– Vão até onde é suficiente – respondeu o anjo em um tom mais sério –. Atrás daquelas muralhas está o lugar que todos procuram, que alguns chegam e poucos entram. Lá é o lugar sagrado e reservado para aqueles que são realmente dignos, aqueles que fizeram por merecer, que seguiram as palavras e trilharam todo o caminho. É o lugar onde nada termina. É o lugar de paz onde o mal nem ao menos ronda. É o lugar onde a pureza é plena. É um ponto final para o novo começo!


Continua...

Parte II - Parte III