terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Que Venha 2011!

É tempo de festas, festas para celebrarmos mais um ciclo que se encerra, para avaliarmos os ganhos e as perdas, os plantios e as colheitas e, acima de tudo, nos aliarmos, uns aos outros – ao menos nesta época – para iniciarmos um novo ciclo, sem deixar o que se passou, ao contrário, levando tudo o que somos, mas sempre olhando para frente, vivendo o hoje de braços fortes e coração aberto.

É tempo de refletirmos e decidirmos como pretendemos continuar. Não é tempo de arrependimento ou desânimo, mas aprendizado e renovação!

Agradeço a todos os amigos que estão sempre aqui a acompanhar e motivar cada vez mais este meu trabalho. Tenham certeza que isso tudo não teria chegado até aqui sem vocês e, por este mesmo motivo, irá ainda mais longe.



Desejo a todos nós um ótimo Natal e um excelente Ano Novo, que muita saúde nos seja permitida para que possamos continuar firmes em nossa caminhada, sem jamais nos perdermos dos nossos sonhos, assim, o resto virá de brinde!

Sonhemos e caminhemos!

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

A Última Partida

Sem ao certo saber o porquê e nem sobre o quê ter entendimento algum,
Impaciente, ele aguardava, em pé, na plataforma vazia, por entre a densa névoa úmida, afora do seu tempo, de um acinzentado amanhecer de mal gosto.

Consigo apenas uma velha maleta alaranjada, suficiente para acomodar mais do que o tudo que lhe restara da caminhada própria,
Um surrado chapéu empoeirado a cobrir inutilmente a calva e alva cabeça,
Da qual evadiam desordenadamente memórias do seu todo, simples e únicas, quase verdadeiras como um dia foram.

Memórias que se iam e vinham, a se misturar e a se distorcer em improváveis probabilidades desconexas e formas quase irreconhecíveis, que lhe renderam diversas deleitosas e insuportáveis sensações:

A culpa, que lhe apertou os olhos reluzentes, deles precipitando amargas e doloridas lágrimas plenas de destruições e possibilidades.
A derrota, que a saliva lhe envenenou e lhe impôs a queda, sobre os próprios joelhos, ao lhe contrair o indignado abdômen, violentamente esvaziado à ausência da conquista.
A saudade, que, intermitente lhe palpitou o coração, pincelando sarcasticamente, com uma das mãos, um sorriso de canto e com a outra rasgando as fibras que restavam a bater no peito.
O cansaço, que lhe ofegou a respiração e, mesmo diante dos rijos e atentos músculos, prontos a defenderem-se, lhe pôs trêmulas as mãos calejadas e os joelhos esfolados a chacoalharem feitos jovens varas.
A certeza, que lhe congelou as entranhas ao se concretizar, pelo bater pesado dos cilindros que arrastam do horizonte a louca Maria fumegante, a lhe conduzir à última viagem, por terrenos desconhecidos e trilhos que de certidão somente a ida era garantida.

E, ao se mostrar em sua forma majestosa, ainda que ofuscada pela pesada cortina acinzentada e pelo desespero, que se tornou presente diante de seu aterrorizante berro histérico – tirano e anfitrião a todos os demais –, e lhe despejou o destempero e o calafrio da impotência sobre o tempo que se passou e se reprisou menor, ainda que completo, na simples plataforma, deixando consigo a verdade de que nada curou, apenas com um trapo cobriu.

Nada mais havia de ser feito, senão ao cobrador entregar o tão salgado bilhete, embarcar e deixar para traz memórias outras que em mentes, também outras, quem sabe, possam ainda sobreviver.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Na Pressão

Mais uma crônica - bem vivida - do Léo Monçores. Esta é realmente daquelas de mesa de bar. Léo, você tem razão, se quisermos problemas, basta procurar! Se cuida e traz logo estes resultados... Abraço!

*     *     *


        Não sei se algum dos leitores já passou por essa experiência, mas, em 24 horas vivi momentos inusitados por conta de um tal M.A.P.A (Monitoramento Ambulatorial da Pressão Arterial), solicitado pela cardiologista para, obviamente, verificar a quantas anda a minha pressão arterial.

        Em 2007, fiz exames de rotina, tipo de sangue, ecocardiograma, teste de esforço e etc, para quem já está na faixa dos 40 e poucos, agora já muitos, isso é importante. Estava trabalhando em São Paulo e, num dia de semana, pela manhã, me dirigi ao hospital para os tais exames. Tudo corria bem até eu entrar naquela sala, onde estava uma atendente de origem japonesa, simpática, que me orientou a colocar os trajes apropriados para o teste ergométrico. Já de short e tênis, tive o torax depilado e os eletrodos devidamente posicionados.

        Ao subir na esteira para iniciar o teste, a médica responsável foi enfática:
        - Pode descer, o senhor não vai fazer teste nenhum! Sua pressão está 19 por 11! Vou encaminhá-lo para a emergência.

        Dito isto, ligou para o setor e vieram me buscar com uma cadeira de rodas. Já me sentindo indo embora para o outro lado da vida, fui para a emergência, onde, após medicado, fiquei em observação, sem nada sentir, por toda a tarde. Não sem antes preocupar minha mulher, que estava no Rio de Janeiro e achou que eu estava lhe escondendo algo.

        Após esse pico assintomático de pressão, iniciei a busca por seu equilíbrio. Cardiologista, acupuntura, mais cuidado na alimentação e exames anuais.

        Pois bem, com o retorno para o Rio e a consequente troca de médicos. A nova cardiologista solicitou os exames de rotina e o fatídico M.A.P.A. Como já dito no início deste texto, são 24 horas inusitadas.

        Vamos lá: Você recebe um aparelho que parece um antigo walkman (os mais antigos vão lembrar), aquele com fita cassete, pesando umas 400 gramas, depois esse aparelho é conectado a uma borrachinha, que passa por cima do seu pescoço, e vai até o seu braço, que fica apertado naquele artefato que infla quando medimos a pressão, não sem antes passar por entre os botões de sua camisa, já que o aparelho fica preso à sua cintura por um cinto, como uma “pochete” (estou soando antiquado?). Após a “instalação” do apetrecho, vêm as instruções. Não pode tirar em hipótese alguma, tem que fazer parte da sua vida por 24 horas, comer, dormir, tomar banho???!!! Não pode molhar, ou seja, banho só da cintura prá baixo, não sem antes tomar o cuidado de usar um cinto na altura do peito, pelado, para não correr riscos. As necessidades fisiológicas são um capítulo à parte, porque o infame aparelho não escolhe hora para medir a pressão e faz isso nos momentos menos propícios. E você tem que parar, senão ele aperta o seu braço várias vezes seguidas, até conseguir a medição satisfatória. Além do banheiro, tem a rua sendo atravessada, a reunião que você participa e tem que avisar a todos que está com o aparelho e que não estranhem se você ficar paralisado por uns dois minutos e, claro, a condução, onde fui muito “apertado”, pelo aparelho e pela multidão do cotidiano.

        O mais interessante dessa rotina singular é o relatório que precisa ser preenchido pelo já conformado paciente. Cada atividade deve ser registrada com o horário em que se iniciou ou terminou. “Subi 02 lances de escada, 14h00”. “Almoço, início 12h30, fim, 13h15”. “Caminhada de 10 minutos, início 15h10, término 15h20” E ele te apertando, na hora em que bem entende, e você quieto, senão, é pior.

        Finalmente, após o almoço, passadas as tais 24 horas de “tortura” fui devolver o “bicho”, antes porém, tive que ficar parado igual a um idiota em plena Cinelândia, em frente ao Teatro Municipal do Rio, por pelo menos dois minutos, esperando a medição.

        Ao chegar ao laboratório para entregar o aparelho, ainda fui “apertado” mais umas três vezes antes disso, depois, fui comunicado pela atendente que o exame tinha sido bom , ou seja, mais de 80% das medições ocorreram de forma considerada normal, e eu não precisaria repetir o exame. Fiquei aliviado, nem sabia que corria esse risco.

        Daqui há cinco dias, sai o resultado, o tal mapeamento do comportamento da minha pressão arterial. Espero que ela tenha se comportado bem e que não precise, tão cedo, fazer novamente o exame. O pior, ou melhor, talvez, é que os exames e verificações da saúde vão se tornar cada vez constantes com o passar dos anos. Espero ainda ter muitos para fazer, embora confesse que não gosto deles. Parece que estamos procurando problemas antes que eles nos achem. E quando achamos, mais problemas, é claro.

        Vida que segue, ainda bem!!

Léo Monçores

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Meu Amor Meu

Meu amor tem os mais amáveis, desejáveis e inexplicáveis sorrisos, únicos em suas formas e nos seus doarem-se; suficientes para contestar-me a existência e colocar-me no mais alto e sagrado dos altares.

Meu amor apresenta-se em um existir que flutua magicamente pelo meu mundo e que entranha-se pelos cômodos da minha existência, pulverizando-se em inesquecíveis e inexplicáveis aromas por todo meu todo, tocando cada canto escuro meu, pondo-me a contestar o meu próprio ininteligível e inexplicável ser.

Meu amor me lança um misterioso e desejável olhar que me suplica e me condena. Olhar este que me atravessa pelas mais espessas e rijas defesas e vê, em mim, aquilo que nunca nem eu soube ou saberei.

Meu amor ouve de mim os mais secretos suspiros, aqueles que à ninguém dou o merecimento e dignidade de notar, para, simplesmente, a minha integridade e essência manter, e disso se beneficia a me conhecer, para a mim sentir e julgar.

Meu amor canta sua doçura para que a mim possa se permear, cada vez mais e as feridas todas conhecer, e nelas tocar quando se irritar ou diminuído me quiser; delas limpa o sangue, sem as cicatrizar, para que delas possa, um dia ou momento, se valer quando convir ou, simplesmente, se fazer presente e cúmplice a mim.

Meu amor conhece os meus cheiros e todas suas razões para que a mim possa governar em sua vontade e a mim possa acolher em seu desejar secreto e, acima de tudo, fazer-se parte de meu existir.

Meu amor saboreia-me como um fruto maduro, prestes a desprender-se de seu caule e ao chão dedicar-se sua podridão, de forma que neste momento possa se mostrar presente feito medicina garantida à eternidade de nossa existência, por seus lábios sedutores e aniquiladores daquilo que tanto lutei para ser – sem ao menos saber se a pena valeria.

Meu amor é cruel e destemido em seu querer para si, e de mim tira todas as forças para sigo próprio, sem questionar ou relevar as dores que a mim se apresentam por todo o meu dia.

Meu amor tem dúvidas de si para comigo, para consigo, por mim e para conosco, as quais planto sem ciência e desejo, mas das quais tento resolver para que a mim se apegue, por confiança e merecimento, o meu amor.

Meu amor é único e querido a mais que mim mesmo, mas ainda não sabe – e nunca saberá, pois nunca conseguirei dizer – o quanto caminhei e lutei, nem quanto me quebrei e me acabei para encontrá-lo; menos ainda sabe que isso nada significa diante ao tudo que posso – e sei que preciso – fazer para mantê-lo assim, amor meu!

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Um Pouco Além de Mim

Quisera eu me assentar num lugar meu, onde pudesse respirar meu próprio ar,
Preencher-me dele e somente dele, puro ou podre, mas meu
A me limpar do alheio, a me distinguir de mim mesmo.

Em uma praia idealizada, talvez, onde pudesse apenas estar,
Sem nada me rondar e sem nada estragar com meus quereres que somente eu entendo, mas deles nada sei contar,
Pondo-me a assistir e sentir os ires e vires dos meus pensamentos e desejos – incontáveis, mas de mesma essência –,
Sem que aos meus ouvidos chegasse nada que não fosse o vazio da ausência ou o estrondo de minha própria proliferação em mim mesmo.

E ainda, quisera eu, e muito, dos céus deste mesmo lugar descer e diante de mim, sentado à areia, pairar,
Assistindo-me, sendo eu comigo mesmo e, talvez, quem sabe, um pouco saber deste meu eu: turbilhão de um tudo que se desfaz em deformados amontoados deslizantes.

Talvez assim, com um pouco deste saber, poderia eu, enfim, dar a mim mesmo, com tão buscada e compensatória dedicação, aquilo que se restringe aos limites do seu próprio ser: a verdadeira compreensão.

Pois são os mesmos lábios molhados os que beijam e os que maldizem,
São as mesmas mãos protetoras as que espancam e as que afagam,
São os mesmos olhos brilhantes os que desejam e os que condenam,
É a mesma língua lasciva a que excita e a que dilacera o coração.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Enfim, Só...

Há tempos vivendo desiludida em uma fétida mediocridade, de casa para o trabalho, do trabalho para casa, da semana para a cama, da cama para a sala, da sala para o mesmo, do fim para a lida;

Sem nem mesmo uma sombra a lhe acompanhar, longe do que um dia foi ninho rodeado do que nunca foi família, com nem meia dúzia de seres menos ausentes, raramente presentes, que a carregavam por caridade, em meio a tantos outros milhões, que como todos os outros tantos nem a notavam;

Humilhada por tanto sem jeito um recosto mendigar, um único toque alheio que lhe pudesse acalentar – quiçá repugnar, ao menos seria algo – por míseros instantes que fossem, e nada encontrar por tudo a negarem e de tudo negar-se;

Cansada de tanto caminhar e a lugar nenhum chegar, nem de lugar algum sair, sendo só consigo mesma, na própria vida, entre tantos – mas nunca digna de ser só em ser só;

Ela, enfim, deu-se por derrotada e rendeu-se ao inevitável já anunciado:
Soltou as mãos, lançou para trás os braços e entregou-se ao vento frio da madrugada que lhe lambeu reconfortantemente todo o corpo que descia majestosamente desprendido pelo alívio de toda uma vida.

Poucas foram as lágrimas que se precipitaram por sua partida; e repente foi o tempo que pairou por sobre o mundo a sua memória.


segunda-feira, 8 de novembro de 2010

A Arte de Viver

       Há algum tempo, não muito, num sábado, minha mãe veio a São Paulo com amigas de trabalho, professoras, em uma excursão à região da Rua 25 de março, para as tradicionais compras populares. Aproveitamos a oportunidade para nos vermos e marcamos um encontro, após as compras é claro, no Mercado Municipal, para um saboroso e gordo lanche de mortadela.

       Considerando o trânsito, peguei meu carro e me pus a caminho de lá bem antes da hora. Isso mesmo! Para quem não sabe, fica aqui a dica, São Paulo, aos sábados, entre as dez e quatorze horas, tem trânsito muito complicado, principalmente na região central e suas principais vias de acesso. Trânsito este talvez não tão divulgado pela falta de compromissos laboriosos que realmente, e infelizmente, são os que valem alguma coisa hoje em dia em nossas vidas. Mas lá estava eu, em meio a tantos outros, me arrastando pela Avenida do Estado, cada vez mais lento conforme me aproximava da Avenida Senador Queirós, conversão para o Mercado Municipal, a partir da qual, diga-se de passagem, seguindo adiante, nada havia senão o ondulado e falho tapete de asfalto.

       Mas como dizia, lá estava eu, no vai e para, passando sob viaduto da linha vermelha do metrô, a olhar para os lados, para os cantos, para as pessoas – mania minha – e, entre imundices e subumanidades, me deparei, bem ao meu lado, com uma barraca. Não um barraco, mas uma barraca, feita por um emaranhado improvisado de arames, cordões, canos de ferros descartados e tortos cobertos por uma mal remendada lona amarela, no tradicional estilo canadense. Era uma barraca bem comprida, o que também me chamou a atenção, e estava rodeada por bugigangas, lixo e artefatos de uso inexplicável, mas prováveis sentimentos e valores compreensíveis. A extensa vida útil da lona lhe permitia uma transparência sutil e desfocada, mas suficiente para permitir identificar os contornos das pilhas de objetos – e quantas –, aparentemente mantidas como mobílias de uso e decoração. Em uma das extremidades, talvez a que pudesse ser chamada de fundos, havia uma pequena fogueira sob algo que parecia uma panela fumegante, pendurada a uma rústica armação de ferro. Mas ninguém havia. Talvez estivessem dentro de um dos cômodos da barraca a conversar, ou estirados a dormir – o que não se podia confirmar nem mesmo pela transparência –, ou simplesmente tivessem saído, mas não se via uma alma vívida.

       Entretanto, era na outra extremidade, na que seria a entrada, que estava o que mais me chamara a atenção e muito me surpreendeu em toda esta cena, a ponto de me fazer perder a atenção para o que fazia, conduzir meu carro ao encontro da minha mãe: na ponta da barraca, cuidadosamente dependurado de forma a decorar a fachada, havia um quadro! Um quadro pequeno, gasto pelo tempo e pela descuidada exposição ao clima. Quase não dava para reconhecer a pintura em si, mas via-se que era uma cena rural, o retrato de uma casa campestre ao lado de um pequeno lago. Enfim, era um quadro, um quadro dependurado na entrada de uma barraca improvisada à margem do Rio Tamanduateí, ao lado da Avenida do Estado, salpicada por detalhes e gostos que pudessem lhe atribuir a mínima sensação e aparência de lar, extrapolando sua essência de abrigo.

       Tudo foi muito rápido. Tão logo as buzinas me alertaram da distância aumentada entre meu carro e o da frente, tive que continuar. Apesar de parecer bem instalada, não estava mais lá na segunda-feira seguinte e nunca mais a encontrei, nem o quadro. Ainda os procuro quando por lá passo, mas ficou apenas na lembrança. A encantadora e deliciosa lembrança de encontrar a magia da arte naquelas vidas, que só fez representar e enaltecer outra obra ainda maior: a arte deles em viver, que leva ternura onde predomina a dor e o descaso!

       Ah, o lanche com minha mãe foi muito bom!

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Querência de Você

Por entre risos e deleites brotados, a mundos de distância,
Pelo delicioso saborear ondulante da vivência plena de tão sonhados sonhos pueris,
Apresentou-se, palpitando no peito meu, entre descoordenadas linhadas e antigas rimas sertanejas, a inevitável e já sabida querência,
Mas em, até então, desconhecidos teores, cores e intensidades.

Querência esta que, num sem se perceber, ainda que percebido, mas sob o inútil disfarce de distrações colhidas e forjadas,
Nutrindo-se do teimoso tempo, que pelos cantos lento escorria,
Tomou sua mais primitiva e inquietante forma,
Irrompendo peito a fora, tingindo com sua supremacia todo o meu todo.

E como esta saudade, que nunca deixou de ser, em sua mais bela e pesarosa essência,
Fundamenta, nas mais entranhadas e profundas vísceras,
Os mais verdadeiros e intensos sentimentos de bem-querer
Que, mesmo depois de alucinadamente rasgados intermináveis e revoltantes quilômetros, não se entregam e nem vacilam ao tão buscado encontrar-lhe,
Apenas transbordam intensa e prazerosamente ao indescritível e insaciável abraço seu, enquanto entorpecem meu corpo cansado com os mais suculentos e apaixonados beijos seus.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Urubus, Gaivotas e a Cidade

Meu amigo Léo Monçores nos propõe mais uma de suas grandes crônicas cariocas que nos levam a pensar em nosso cotidiano a partir de visões diversas e cúmplices que nos passam despercebidas.

*     *     *

Atualmente tenho o privilégio de trabalhar ao lado de um dos cenários mais lindos do mundo. Do 30º andar, tenho uma visão privilegiada da Baía de Guanabara, Aterro do Flamengo, Pão de Açúcar e Corcovado, além da Marina da Glória. Com uma vista dessas, é fácil aliviar as tensões do dia a dia em apenas alguns minutos de contemplação.

Todos os dias, faça chuva ou faça sol, uma turma animada desfila perto da minha janela e consegue desviar a atenção do observador. Eles são menos disciplinados, às vezes sós, às vezes em bando, com uma aparente falta de preocupação com o mundo ao seu redor. Não são bonitos, mas impressiona a beleza de seus voos e como dominam uma área na qual, por mais progresso e tecnologia que tenhamos, jamais conseguiremos um índice de eficiência parecido com os deles.

Parecem voar por prazer, abrindo as asas e deixando o vento e as térmicas conduzi-los através do nada, em alguns momentos lembram os homens-asa, que cortam os céus do Rio também com prazer e maestria embora sejam apenas humanos e limitados em seus sonhos.

Elas são mais elegantes e simpáticas, parecem mais “ligadas” na sua função de voar, aparentam estar sempre procurando alguma coisa, que elas mesmas ainda não definiram. Ao contrário dos amigos de asas negras, gostam de voar em formação e dificilmente estão desgarradas da “esquadrilha”, que pode ser pequena ou chegar a algumas dezenas de membros.

As paisagens urbana e selvagem do Rio se misturam naturalmente. Encostas, praias e prédios misturam-se na geografia. As aves estão totalmente integradas ao cenário e nos desafiam todos os dias com a sua capacidade de alcançar o inatingível para nós, seres humanos, utilizando apenas o que lhes deu a natureza. Cumprem sua missão sem questionamentos, leves, seguindo suas rotas já definidas há séculos, guiadas por seus instintos e asas.


Refletindo sobre isso, constato, mais uma vez, como nós, seres humanos, somos limitados em nossa tão desejada liberdade de “ir e vir”. Vamos aonde é possível e, invariavelmente, nos preocupamos com a volta. Ao contrário dos amigos alados, que conseguem, sem grande esforço definir o “plano de voo” de acordo com suas necessidades e vontades.

A única coisa que vislumbro em comum entre as duas espécies, humanos e aves, é a luta para sobreviver numa cidade que é maravilhosa no apelido, no contorno e na realidade, mas, guarda em seus recantos e paisagens o risco e o imprevisível, o urgente e o relaxado, o exuberante e o feio, o admirável e o maltrapilho.

Visto de cima é tão lindo!!!

Por Léo Monçores

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Água Dura

Foi pela paciente insistência no tanto bater, e só por esse motivo, que venceu a água a pedra, fazendo-a ceder contra a própria vontade e natureza, impotente de fuga.

E no extasiante momento da vitória, as forças, que teimavam em existir sem origem sabida, sucumbiram em trêmulo deleite à recompensa do delicioso entranhar-se de dois desconhecidos novos mundos, sem tornarem-se apenas um, mas inseparavelmente úmidos, eternamente marcados por um majestoso instante de conquista.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Deliciosamente Enfeitiçado

Foi num quase de repente pleno de sem querer
Que, de uma quase memória, você renasceu, como nunca antes, diante de mim,
Contrariando meus injustamente fundamentados preceitos,
Sem um nada a pedir ou a oferecer; apenas num aberto e desprendido ser.

E quando eu, curioso e descuidado, cometi meu primeiro vacilo moleque,
Você, ousada, invadiu meu oculto mundo há muito proibido, particular de um só dono,
A tudo envenenando e impregnando com seu cheiro e seu tocar,
Pondo abaixo, com seu olhar e seu sorrir, todas as muralhas e defesas,
Tomando parte de todo este meu todo, que nem por direito nem por oferenda lhe pertencia.

Agora, feiticeira invasora, faço justiça!
Por seus atos e possessão, lhe condeno:
À minha onipresença em seus momentos e pensamentos;
Ao meu repugnante e pueril envelhecer;
Às minhas dores e prantos;
À minha insaciável querência de seu inebriante cheiro e entorpecente toque;
À minha insuprível abstinência de você;
Ao meu eterno buscar dos seus olhares e sorrisos;
Às minhas estridentes e alucinadas gargalhadas por seu haver;
Aos meus opressores e descontrolados cuidados dedicados, incondicionalmente, ao seu estar;
Às minhas rabugentas enfermidades;
Às estúpidas deformidades riscadas da minha bula;
Aos meus involuntários sorrisos aflorados ao lhe notar em meu amanhecer;
Aos meus desmedidos esforços em ao seu lado estar, a saborear o seu todo – que seja a mínima açucarada gota.

E que lhe caia dos céus esta insuficiente penitência,
Vitalícia pelos restos dos dias em que insistir em me manter sob este seu feitiço de você,
Sem alforria concedida ou descanso merecido.
Que assim seja!


quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Carta ao meu Eu-Futuro

Caro Eu-Futuro,

          É quase que incontrolável o desejo de saber como lhe vão as coisas, mas sei que não as me dirá, sei também que é por zelo que não o fará, jamais por desconsideração ou rancor, pois isso, ao menos nós para conosco, não devemos.

          Mas antes que comigo se irrite ou me maldiga, peço que se atente com um pouco de esforço, pois é apenas sobre coisas da nossa vida, que talvez já saiba, e que julgo importantes de serem mantidas na mente, ou ao menos relembradas, que lhe escrevo. Talvez lhe pareça que são de justificações daquilo que lhe causarei que lhe falo, mas não entenda assim, pois, em muitos dos casos, não todos, nem ainda o sei.

          Talvez não seja todo o possível para melhorar as coisas que eu tenha feito, mas é o todo que, neste momento, consigo entender como necessário. Quis eu ser seu herói salvador, estar daqui fazendo para você como para o filho faz o dedicado pai cuidadoso. Mas é justamente quando olho para o que fomos que entendo que não é bem assim que as coisas se desenrolam. Algumas coisas melhoram, outras pioram e estagnam-se outras. Há erros que aprendemos a evitar, outros que insistimos em cometer – com diferentes intensidades, é bem verdade – e outros novos que a nós teimam a surgir e a aterrorizar. Já não sei se é com conformação ou simples aceitação que os recebo, mas sei que nada disso foi o que para nós previ e busquei. Confesso que melhor já é do que tivemos, sem querer por baixo nivelar ou a mim justificar – já o fazendo.

          Assim sendo, é com todo remorso do fracasso e o aperto angustiante da esperança de boas-novas, que lhe despejo minhas falhas, lhe condeno com meus erros, lhe amaldiçoo com meus fantasmas, lhe coroo com a responsabilidade da nossa continuidade e, acima de tudo, lhe tanjo com minhas alegrias, das quais, imploro, nunca venha a se esquecer.

          Não se esqueça, também, do que somos e do que fomos. Ponha-se sempre a olhar para trás, para o meu hoje, para que possa adiante sempre caminhar, como hoje o faço eu, por nós!


segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Carta ao meu Eu-Passado

Caro Eu-Passado,

          Não é por falta de interesse e nem por descaso que não pergunto como lhe vão as coisas, mas por muito bem já as saber. Sei também que, por se encontrar em profunda perdição de si, incrédulo de tudo e todos que passam a lhe rondar, inclusive de si mesmo, muito lhe custa a esta carta ler, mas é por ela que lhe trago boas-novas!

          Digo-lhe que por aqui as coisas muito têm melhorado, que muitas das nossas dúvidas e dificuldades têm, desde então, se resolvido e novos rumos tomado, diferentes dos que aí está a pensar. Por incrível que possa lhe parecer, e sei que muito lhe parecerá, nossa vida tornou-se novamente iluminada e, de uma forma nova e curiosa, saborosa. Os amanheceres não são mais torturantes e temidos, mas confortáveis e amenos, alguns até muito prazerosos. Os dias têm passado com fluidez e tranquilidade – desprezemos, contudo, aqueles inevitáveis aborrecimentos da vivência coletiva. As noites continuam a serem impacientemente aguardadas, mas não mais pelo refúgio concedido e sim pelo divertimento ou pelo simples relaxamento do lar, nelas sempre contidos. E são as madrugadas que mais me prazem, pois agora, ou nelas chegamos ou por elas passamos descuidados num profundo desmaio regenerador, que sei que há muito não tem.

          Confesso que os fantasmas ainda assombram, mas não com a tempestuosidade e vivacidade que você tão bem conhece, mas cá estão e isso não posso e nem devo lhe negar. Mas também confesso que não é de todo mal que, vez ou outra, ainda apareçam. É preciso que algo nos lembre do que fomos e pelo que passamos – e isso eles fazem muito bem, bem até demais, lhe confidencio –, pois o esquecimento é fácil e a ansiedade e a espontaneidade de reviver cegam e ensurdecem. Devemos nos lembrar, eu e você, ao menos assim podemos nos postar matreiros diante do que está por vir, mas sem perder a doçura de viver. E estas são as lembranças que me fizeram perceber que eu, justamente eu, também havia me esquecido de você.

          Enfim, lhe escrevo para contar que por aqui os dias estão mais claros, as cores mais vivas e paira a vontade de viver; por isso, aguente firme, ele dependerá de nós. E lembre-se: você não está sozinho, quando as coisas apertarem, olhe para dentro de si e me verá!

domingo, 5 de setembro de 2010

1º Fest Clip


O Ateliê PÉ VERMELHO, em parceria com CHIP Eventos, realizará em Santa Gertrudes no Reppertório Bar, nos dias 17 e 18 de setembro de 2010, o primeiro Fest Clip, festival que tem por objetivo divulgar os trabalhos de bandas independentes de todo o país, através das produções audiovisuais, abrindo espaço para exibição e premiação das mesmas, além de fomentar a produção de videoclipes na região de Santa Gertrudes. Os videoclipes de realizadores de todo o Brasil serão exibidos em programação definida, amplamente divulgada e aberta ao público.

O meu vídeo Inconsistências foi inscrito e selecionado para participar do Fest Clip!! Para quem ainda não viu:



Mais detalhes sobre o festival e afins estão disponíveis no blog do Ateliê PÉ VERMELHO.

Dedos cruzados e abraços a todos...

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Não sabe em quem votar? Vote no Desce Mais Uma!

Olás!!

Como teimosia não é o que me falta, continuo a luta para divulgação do Desce Mais Uma! e desse meu trabalho. Desta vez, o Desce Mais Uma! está concorrendo a dois prêmios na internet e que podem ajudar – e muito – nesta divulgação. Mas como a minha teimosia não é a única coisa que conta, peço a ajuda de vocês votando no Desce Mais Uma! nestes concursos:

TopBlog 2010: Top Blog Prêmio é um sistema interativo de incentivo cultural destinado a reconhecer e premiar, mediante a votação popular e acadêmica (Júri acadêmico) os Blogs Brasileiros mais populares, que possuam a maior parte de seu conteúdo focado para o público brasileiro, com melhor apresentação técnica específica a cada grupo (Pessoal, Profissional e Corporativo) e categorias.
Para votar, bastar clicar no selo abaixo, preencher nome e e-mail. Um e-mail será enviado com o link para a efetivação do voto.



2º Prêmio Blog Books: Apresentado pela editora Singular Digital e pelo Universo do Autor, o 2º Prêmio Blogbooks tem como objetivo transformar os melhores blogs do Brasil em livro. Nesta primeira fase do concurso, todos os inscritos participam e o público vota clicando em selos no próprio blog. Na segunda fase, os 10 blogs mais votados pelo público em cada categoria serão avaliados por uma comissão, e um blog de cada categoria será escolhido para virar livro.
Para votar, basta clicar no selo abaixo, preencher o código de confirmação na página que será aberta e confirmar.



Ambos os selos estarão disponíveis ali na barra lateral direita durante o período de validade do concurso, para quem quiser votar novamente. Se puderem também indicar para a mamãe, para o papai, para o irmãozinho, para o amiguinho, para o vizinho, para a vovó, enfim, para quem puder, ajudarão muito!

Muuuuito obrigado por mais essa ajuda!!

Abraços...

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Num Cigarro

No complexo momento em que as ideias nada mais são que um amontoado de pensamentos desconexos e ininteligíveis,
Em pleno passeio, ao muro recostado, incendeia a chama impiedosa o tabaco pilado,
Que, em brasa, faz pairar a tranquilidade e restitui a consciência.

Bem à frente, entupida e transbordante, jaz a infartada larga avenida,
Cortada em duas contradições pelo estreito canteiro de pouco gramado e muito rosado das flores que neste tempo já terminam.

Do lado de cá, por entre buzinas e pneus estressados que gritam aos céus por clemência,
Acham-se heroicos e verdadeiros sorrisos e olhares trocados nas cabinas e por entre as janelas,
Paradoxais à cena, mas relutantes ao nervoso fluxo geral.

No de lá, disso nada se pode pela distância ver,
Senão a irritação manifestada por insultos despejados a todos os lados, aos bruscos movimentos dos veículos que contrariados abrem egoístas e miseráveis alas à suplicante sirene, que em histeria anuncia a caminho a possível salvação que já tarda.

E com a nitidez retomada pela ausência da névoa acinzentada,
Recobra-se a consciência do retorno à realidade própria,
Repõem-se os pensamentos aos deveres suspensos,
E tudo simplesmente fica para trás, abandonado, como se nunca tivesse sido.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Ponto de Ônibus

Tantas são as luzes e os dizeres que vêm,
Mas demorados os tão desejados e implorados,
Os que realmente vêm e salvam.

E por entre o tão longo precioso tempo desperdiçado [ouro da vida],
Suportam-se cambaleantes e clementes os corpos
Estressados,
Escorados,
Resfriados,
Desajeitados,
Abandonados.

E ao sabor do ócio temperado pela impotencialidade da submissão laboriosa,
Rebelam-se dementes e imprudentes as mentes
Irritadas,
Aniquiladas,
Desgastadas,
Inutilizadas,
Depravadas, até.

E sob a ânsia desesperada de um reles sossego e morno afago da morada,
Amarguram-se palpitantes e deprimentes os corações
Entristecidos,
Esquecidos,
Desmerecidos,
Vencidos,
Mas nada adormecidos.

E quando, providencial e tardiamente, é chegada a salvação,
Estes, unidos e agarrados, sucumbem à inesquecível e irrefutável certeza da mesma penitência, que é breve em se iniciar.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Condenado a Viver

Na noite em que ele, pela primeira vez, falhou
Os céus se abriram e ele foi excomungado, sob fraternos açoites desaprovadores, clementes orações dilacerantes e traidoras maldições irreversíveis.

Condenado a vagar sem descanso e sem morada,
Pavorosamente deformado e reprovado,
De pele escamada e enrugada, cauda e asas asquerosas,
Unhas longas e amareladas como os repugnantes cornos ostentados,
Caiu, somente consigo próprio, repudiado de sigo próprio.

Errante, pôde sorrir, aprendeu a viver e fez seu caminho.

E quando, às gargalhadas, cirandava pueril por entre as crianças da aldeia,
Aqueles de outrora o espiavam invejosos detrás das árvores do bosque escuro.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Radical

Meu amigo Léo Monçores tirou este conto do fundo da gaveta e nos propõe momentos inusitados encontrados na realidade em que nos encontramos. Perpetuar por entre tudo isso é quase magia!

          Ele estava entediado em mais um daqueles dias que se arrastavam no trabalho. Gostava do que fazia, mas achava que gastava tempo demais do seu dia fazendo coisas que não levavam a nada. A vida em família era boa, tinha tudo que precisava, mulher, filhos, uma casa, que ainda estava pagando, e um carro, que poderia ser um pouco mais novo, mas, atendia suas necessidades. Podia se considerar uma pessoa quase feliz e realizada, podia?

          Foi então que resolveu mudar radicalmente. Não iria mais fazer só o que queriam que ele fizesse, não ia mais deixar de fazer nada que lhe era prazeroso para agradar a ninguém, de agora em diante agradaria a si próprio e se preocuparia apenas com ele mesmo. Imediatamente, inventou uma desculpa e saiu do escritório disposto a radicalizar. Passou no banco, tirou tudo o que tinha na conta, que era pra ter algum no bolso, “se precisar, pago com o com o cartão novo que o banco me enviou, com um limite muito maior”, pensou. Entrou no fast food da esquina e pediu o sanduíche mais calórico, batatas duplas, refrigerante enorme e sorvete, o maior, de sobremesa. Pronto, estava dando o primeiro passo em direção à liberdade.

          Depois do “lanche” foi até o shopping e, sem avaliar muito, como era de costume, comprou aquele tênis de marca de tanto apreciava, a camisa cara que à qual tanto resistira, a calça com o melhor corte, e o maior preço. Saiu da loja de roupas e entrou na joalheria decidido a comprar aquele relógio de caixa preta, último modelo da marca famosa, e também o mais caro. Pronto, mais um desejo realizado.

          Ao sair do “templo do consumo” passou em frente a uma concessionária de automóveis, entrou. A avaliação do seu carro não foi a esperada, mas mesmo assim, não resistiu e fez negócio, levaria a pick up, aquela vermelha, com motor turbo e completa. Pena que só entregariam na semana que vem, quando descontassem o cheque, mas tudo bem, tinha mesmo que transferir o dinheiro da poupança (todo) para isso.

          Já era tarde, a noite caindo, era hora de ir naquele restaurante, que nunca conseguia ir, por causa das crianças, a mulher, os preços, o horário e etc... Entrou, foi muito bem atendido é claro, comeu e bebeu muito bem, ficou satisfeito e foi embora pensando porque não levava aquela vida, já que era o que realmente lhe dava prazer. Agora sim estava feliz, mas, de repente, lembrou que teria que voltar para casa, para a mulher, que até era bonita, mas já sentia o peso da idade e da vida atribulada, cuidando dos filhos, da casa e dele também.

          Foi então que tomou a decisão mais radical de todas. Não voltaria, simples assim. Porque adiar mais essa decisão que ele tinha certeza que já devia ter tomado há muito tempo? Era isso, sua vida seria outra, mais prazer, mais alegrias e muito mais coisas interessantes para fazer, ia conhecer novas pessoas, novos ambientes e, claro, muitas mulheres que não iriam ficar lhe cobrando o tempo todo e perturbando com assuntos como a escola das crianças, a conta de telefone, o frango para o almoço de domingo ou o presente da mamãe.

          Pensou isso parado em um sinal de trânsito, foi quando escutou a voz jovem e nervosa, “sai logo e deixa a chave na ignição”, um segundo depois, ao tentar abrir o cinto, só escutou o barulho e não viu mais nada. Levaram-no para o hospital, mas não resistiu.

          A viúva inconsolável não entendia como podiam ter feito aquilo com um trabalhador, que vivia para a família, não tinha vícios e era exemplo de pai e marido.

          A polícia não entendeu, mas, com a vítima, havia um relógio de luxo e a carteira intacta, com talão de cheques e duzentos reais. Deve ter sido execução, dizia o delegado.

          Radical!

          E a fatura do cartão de crédito ainda não chegou...


Por José Leonardo Cabral Monçores

sábado, 31 de julho de 2010

Desce Mais Uma! na CBN - Blog do Mílton Jung

Olás!!

Esta semana minha crônica "Uma Maça: R$ 1,28" foi publicada no site da CBN, no blog do jornalista Mílton Jung.

Gostaria de compartilhar com vocês este grande e importante momento do meu trabalho (é um grande passo): http://colunas.cbn.globoradio.globo.com/miltonjung/2010/07/30/por-uma-maca-r-128/

Aproveito para agradecer a todos que me acompanham e me mantém firme nesta caminhada, e ao Mílton pela grande oportunidade!

Abraços a todos e obrigado!


Imagem: site da CBN, endereço acima mencionado.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Quando Me Dei Conta

Não me lembro se foi ontem ou no mês passado – talvez na semana passada – que me dei conta que se dar conta era perda de vida.
Mas naquele dia, quando me dei conta, já não havia o que ser perdido, tudo já havia se ido e nem havia me dado conta.

Além de mim, restavam apenas as paredes amareladas, os móveis escorados e as cortinas esfarrapadas, e nem havia me dado conta.

O corpo já não era o mesmo, tinha outra forma e estava pesado – difícil de controlar e ordenar.
A mente estava desatinada em pensamentos e memórias imemoráveis que pesavam o ar gorduroso que há tanto havia enclausurado.
As mãos rijas e encardidas, repousavam arqueadas sobre um jornal velho com dizeres ofuscados, e não prestavam nem para arrumar os longos cabelos oleosos que pendiam à testa riscada.

Já era tarde e o sol se punha quando me dei conta que tudo havia se ido sem nada ter sido feito, que tudo se havia passado em um simples se dar conta, mas sem se dar.

Ao me dar conta daquele vazio, me levantei assustado e abri a janela pondo-me ao frescor e ao colorido pincelado que precedem o ocaso de outono.
À minha frente, a sanhaçuíra se aconchegava em seu ninho, sem comigo se importar;
No pátio, crianças corriam às gargalhadas das mães furiosas que as perseguiam para o banho.

Então, tomado por uma estranha sensação que me formigava todo o meu corpo, me dei conta que sorria novamente.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Suficiência

Olás!!

Há meses estou maturando um projeto para um novo livro e agora o primeiro passo foi dado: este ensaio piloto. Trata-se de uma obra com ensaios que estendam as definições de determinados substantivos abstratos, que se fazem fortemente presentes e determinantes no cotidiano das relações (preferencialmente amorosas), estritamente segundo a minha existência. A ideia é ser impessoal e produzir um ensaio para cada substantivo abstrato de uma lista que estou concluindo, seguindo a linha estrutural e estilística deste primeiro: Suficiência.

Assim sendo, considerando este texto como exemplo, gostaria de poder contar com sua opinião sobre este projeto, seja respondendo a enquete "O que achou deste projeto?" na barra ao lado, seja registrando seu comentário/sugestão.

Desde já, agradeço a todos...

Abraços,

Rafael


Suficiência

suficiência
su.fi.ci.ên.cia

sf (lat sufficientia) 1 Qualidade de suficiente. 2 Quantidade suficiente. 3 Classificação escolar de suficiente. 4 Aptidão suficiente; habilidade. 5 Abastança material ou espiritual.

*          *          *

          Angustiantemente perseguida pelas partes em uma relação, tentando suprir quaisquer necessidades e expectativas da outra para que ambas fundam-se em uma só, para que se solidifique a relação e para que seja sufocada a insegurança de uma possível perda. Mas suficiência é o limite que determina a satisfação das necessidades e, por essência, provoca a geração incondicional de novas e o descarte das anteriores.

          A novidade de uma nova relação vem acompanhada dos vazios dos envolvidos a serem preenchidos. Vazios que se justificam pelo simples fato de os envolvidos terem o mínimo de conhecimento um do outro e, naturalmente, estarem carregados de feridas, desejos e, principalmente, expectativas inevitavelmente omitidas. Ao desenrolar da relação, estes vazios são preenchidos, e a ligação torna-se cada vez mais sólida e agradável pela confiança adquirida entre as partes durante toda essa troca: a exposição e a satisfação incondicional das necessidades de um para com o outro ou, simplesmente, o preenchimento dos vazios.
          Contudo, esta troca é um processo que se torna cada vez mais delicado e que deve ser tratado pelos envolvidos com zelo e consideração, especialmente nas relações amorosas, nas quais existe uma intensidade mais acentuada. Além da necessidade natural de aproximação, nas relações amorosas existem outras necessidades que se manifestam pelo desejo da presença um do outro em suas respectivas vidas. A descoberta e a satisfação entre e das partes neste tipo de relacionamento tornam-se necessárias de modo a estabelecer, o quanto antes, a fundamentação da relação, tanto pela insegurança da perda como pela ânsia em se fazer presente na vida um do outro, de maneira que se preencham os vazios, buscando a completude mútua, sendo um mais que suficiente ao outro. E é justamente por este motivo que se faz necessário o cuidado que deve ser atribuído a este processo.
          Fazer-se suficiente é uma busca natural de ambas as partes por conta da atração sentimental que cresce entre elas. Querer o bem do outro é, antes de tudo, querer estar junto do outro, ou que o outro esteja junto com o um – seja lá a situação boa ou ruim. Ser suficiente é ser quisto, ser necessário, ser possível ao outro de maneira estável e confiável. Ser suficiente é o que permite o caminhar de cabeça erguida e peito aberto. É o poder olhar nos olhos com confidência e plenitude e transbordar-se sem palavra alguma. É o simples poder estar junto sem nada fazer, apenas compartilhando a existência mútua.
          Suficientes são os casais idosos em que as partes sustentam a existência uma da outra após uma vida juntas. Suficientes são os jovens apaixonados que se prometem um ao outro, com brilhos nos olhos e corações palpitantes, para toda uma vida. Suficientes são amigos que depois de um longo tempo de amizade sabem o que se passa um com o outro através de um simples olhar. Suficientes são os cuidados despendidos pelas mães aos filhos.
          Mas, justamente por satisfazer as necessidades e preencher os vazios dos envolvidos, é que a suficiência pode tornar-se, facilmente, uma arma contra a relação, levando-a a um declive quase que irreversível. A satisfação das necessidades de um pode acabar com os propósitos da existência do outro na relação; ou simplesmente anulá-lo e incorporá-lo como uma parte medíocre da rotina. Para expor melhor a ideia, olhemos para os envolvidos de uma relação e consideremos que um deles atinge a suficiência em relação ao outro. O momento que se segue ao se atingir esta suficiência, ambos estão em êxtase: o que buscava ser suficiente, por se tornar pleno, com elevado grau de importância, na relação; o que recebe esta suficiência, por ter suas necessidades satisfeitas e vazios preenchidos, enxergando o outro como sua fonte transbordante. Contudo, o segundo passa a não ter mais o que lhe instigar, o que procurar, o que sentir falta e isso faz com que o primeiro, que está, no mínimo, tentando manter sua conduta de sucesso, perca seu brilho e passe a ser um incômodo constante e que, por não ter mais o que satisfazer, não tem mais serventia clara e pode ser descartado. Em algumas situações, pode-se ter atingido a insuportabilidade, que pode até durar a vida toda; em outras, o fim propriamente dito e escarrado. Em ambas, o brilho e a intensidade com que tudo começou, as intenções e necessidades transbordantes de satisfazer que se faziam presente, e inclusive se justificavam, são simplesmente ignoradas como se nunca tivesse existido, quando muito, têm o seus fins justificados e conformados pela rotina, pelos caminhos que a vida toma, pela simples existência, como uma etapa qualquer no roteiro pré-definido da vida humana. Insatisfações são geradas, novas necessidades demandas e reclamações inventadas. E nesse turbilhão que se forma, um é lançado contra o outro, todos se machucam até que um resolve tirar o outro (ou sair) da relação.
          Um pouco de saudosismos dos tempos iniciais ou dos sentimentos e necessidades de satisfação própria, ou para com o outro, funciona como adubo para a relação, de modo que um sempre se lembre dos porquês que permitiram que o outro fizesse parte da relação e pudesse assumir e executar, com prazer, suas tarefas de saciador de necessidades. E esse saudosismo deve ser concebido por todos os envolvidos, de maneira simples, mas constante. Olhares fazem isso muito bem, aqueles olhares que duram um instante, mas um instante que une profundamente as parte revelando todo o passado, todos os motivos para o serem. E também estes olhares devem ser permitidos e serem verdadeiramente recebidos, pois a rejeição, ou a não aceitação, ou a imposição, culminam no estrangulamento dos sentimentos alheios, e a suficiência destratada faz exatamente isso: descarta grandes descobertas, seca!

domingo, 11 de julho de 2010

Uma Maçã: R$ 1,28

Ontem, ao sair do metrô, no caminho de volta do trabalho para casa, fui ao mercadinho de bairro para comprar pó de café – desses mercadinhos que lembram os antigos armazéns, as “vendas” e que são rapidamente engolidos pelos grandes supermercados de rede. Justamente pela falta de opções, peguei um pacote de pó de café menor do que costumo comprar, já que era de um tipo que até me agrada, mas não era o meu preferido.
Apenas com o pacote de pó de café à mão, fui ao caixa pagar minha conta e ir logo para casa. A hora era avançada e já estava esfriando. Ao me aproximar, mapeei os demais clientes e me posicionei onde pensei ser o fim de uma das filas, bem ao lado de um cliente indeciso que estava plantado entre os dois caixas sem saber o que fazer, apenas esperando que o dissessem. Seria minha vez, mas, enquanto aguardava o cliente que empacotava suas compras já pagas, a “moça do caixa” pediu que outro cliente, também indeciso, passasse à diante dos demais. A forma delicada e gentil que a “moça do caixa” fez o pedido denunciou que se tratava de um atendimento preferencial. Abri espaço e aguardei. Não tão logo, passou por mim uma senhora de idade muito avançada, andando com dificuldades e deixando um cheiro forte e nauseante, semelhante àqueles que se sente debaixo dos viadutos, mas em uma intensidade menor.
A senhora era baixa, não apenas por ser tão arqueada, mas por sua natureza. Suas roupas eram farrapos encardidos e fedidos, amarrados e enroscados uns aos outros. Suas pernas tinham as juntas rijas e estavam cobertas por grosseiras meias velhas, terminando em sapatinhos pretos e furados, daqueles típicos das vovozinhas. Na cabeça, usava um lenço que provavelmente um dia teve cores e formas definidas e que cobria longos cabelos aglomerados e completamente brancos pela natureza e amarelados pela situação. As unhas eram enormes e causavam um aspecto assustador. Aos braços e pescoço, sacolas e trapos estavam dependurados carregando tudo aquilo que, provavelmente, ela definiria como seu patrimônio. A imagem dela me lembrou muito daquelas senhoras russas que, depois da queda, passavam os dias em longas filas frias para ganhar um prato de sopa, e me lembrou também que já a tinha visto pelas redondezas, principalmente jantando, a altas horas da noite, na padaria na saída do metrô, onde costumo parar para um último lambisco após longas noites de diversão.
À “moça do caixa” a senhora entregou, com o braço atrofiado, um saquinho com uma única maçã vermelha, a qual foi pesada e precificada a R$ 1,28. O anúncio do valor deve ter retumbado nos ouvidos da senhora que se pôs a vasculhar freneticamente cada farrapo, cada vão, e a esvaziar cada sacola em busca dos R$ 1,28, enquanto praguejava – sem ofensas ou aspereza – contra a situação que se encontrava. Vendo que a situação se prolongaria, a “moça do caixa” fez um sinal com a cabeça e pediu que eu passasse à frente. Entreguei meu pacote de pó de café e ela me informou o valor. Paguei-o junto com a maçã e tentei me agilizar, mas foi inevitável presenciar o anúncio feito pausadamente pela “moça do caixa” à senhora: “O moço está pagando a maçã da senhora”. Peguei meu saquinho com o pacote de pó de café e tentei me virar e sair o mais rápido possível, mas a senhora já se dirigia a mim rogando em voz alta pela minha saúde e fortuna, agradecendo aos santos pela minha ajuda e coisas do tipo. Virei-me para ela a fim de receber e permitir seu agradecimento, mas não sei bem o que resmunguei engasgado e saí a caminho de casa.
É fato que esse não é um caso isolado nem único, mas fico aqui, hoje, com meu café do tipo que até me agrada, mas não é o meu preferido, pensando em tudo isso: passar por uma vida inteira, com tantas coisas, tantos acontecimentos, tantos infortúnios, tantas alegrias, tantos momentos – cujos adjetivos não vêm ao caso – e ter que sobreviver sozinha em um mundo em que apenas lutar não é suficiente, nem mesmo permitido, e ter que se esgueirar por tantos eventos, por tantas dificultadas, por tantas variáveis e improbabilidades para simplesmente conseguir um jantar sem nenhum sabor de dignidade, mas que, ao menos, permita que o dia seguinte aconteça: uma maçã a R$ 1,28.

domingo, 4 de julho de 2010

Terra Firme

Há tempos me cansei daquela infindável busca por tudo o que sempre entendi e defini como meu complemento, como minha razão de existência.

Há tempos desisti de me aventurar por montanhas, desfiladeiros, desertos, florestas, abrindo caminho, abrindo feridas, me rasgando, me mutilando e me diminuindo nessa busca insana.

Há tempos reneguei a tudo, não por me julgar incapaz; mas por ter entendido que eu mudava a paisagem e me corrompia na busca de algo utópico, absurdamente idealizado.

Há tempos parei e sentei para chorar meu último e mais impotente choro, escondido em uma caverna apertada, onde espantei todos os meus fantasmas e curei todas as minhas feridas.

Há tempos me levantei forte e me dei à luz, de peito aberto, passos firmes e coração limpo.

Há tempos me lancei sorridente ao mar em minha canoa, não em busca, mas avulso à maré e aos ventos, apenas sendo deliciosamente levado e saboreando sedento cada batalha – com os mais diversos monstros marinhos – da mesma forma que a cada por do sol que me era oferecido.

Hoje acordei náufrago em uma terra desconhecida e, ainda desorientado e assustado, entendi que atingira minha tal utopia, absurdamente em minha própria realidade!

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Projeto Ver!

Há poucos dias, o Marcus Aragão disponibilizou na internet o seu projeto Ver! (http://ver.blog.br/), sob a proposta de associar o conteúdo dos blogs aos diversos canais de informação existentes, mas permitindo também que seus visitantes interajam com o sistema criando seus próprios canais e tópicos nos diversos fóruns.

A ideia de criar este novo sistema vem dos comentários existentes nos meus agregadores, nos quais confirmo uma demanda crescente das redes sociais, microblogging, onde o conteúdo é tipicamente menor, e a possibilidade de participação ativa dos visitantes. Apesar da estrutura do sistema estar focada para atender a divulgação de artigos (resumos) dos blogs, meu maior interesse está na facilidade de uso para os visitantes e na possibilidade de interação de quem não tem um blog e quer escrever. Por este motivo, decidi criar vários canais que possuem fóruns de discussão onde poderemos ter textos que ajudem nossos visitantes com dicas e tutoriais para os respectivos temas. É desta forma que pretendo criar um ambiente favorável para os visitantes, aumentando e transferindo a audiência do Ver! aos blogs participantes.” - divulgou Marcus.

O “Desce Mais Uma!” já está presente no Ver! e os contatos e abrangências de divulgação só aumentam a cada dia. Assim, convido aos amigos blogueiros e visitantes a conhecer e participar deste projeto que se torna uma grande ferramenta de divulgação e classificação de conteúdo.

Abraços...

terça-feira, 22 de junho de 2010

Das Próprias Profundezas

Mesmo depois de ter se desenterrado do meio de um nada, com vermes a lhe comer a carne, e ser agraciado com asas angelicais, e ter voado por terras desconhecidas, rasando sobre mares, planícies e vales, sentindo todos os perfumes, apreciando todas as cores, saboreando todas as sensações e se envolvendo com todos os deuses, ele se viu insatisfeito e angustiado à beira do paredão de onde saltou com a rocha ao peito.

Mas foi sozinho e atordoado, arrastado para a mais escura e gélida profundeza, que ele realmente compreendeu e encontrou o que tanto procurara; e com os pensamentos turvos diante da intensa luz remissora que se apresentara, sorriu seu último pulso, entregando-se com o rosto e coração aquecidos.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Chão Surrado

Cansado de assistir impotente as suas plantações serem sarcasticamente devastadas, o capiau resolveu acabar com tudo e não ter mais o que perder. O solo não mais arou, nem nada mais plantou. Desviou seu riacho e com pesadas pedras murou seu terreno.

Fez um pacto e a todas as chuvas espantou. O chão secou e então rachou.

Livre, sentou-se em sua história e consigo assistiu todos os momentos de sua vida, degustando intensamente cada detalhe dos seus dias.

Numa manhã, porém, pôs-se para fora e parou pasmo diante de uma delicada e perfumada flor a desabrochar no chão batido e trincado do seu terreno. Sem pensar no como ou no porque, caiu sobre os próprios joelhos e, de coração a galope e lágrimas a correr pelo rosto deliciosamente incrédulo, implorou aos céus por chuva.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Vivo Hoje

Vivo hoje plenamente a vida,
Em mim, para mim e por mim.
Não porque quero, nem porque me disseram,
Mas porque aprendi [da forma que me coube].

Vivo a insatisfeita felicidade
Que me firma no caminho
Em busca de tudo o que posso até o fim do dia.

Vivo as dores e as lembranças que permito,
Mas jamais aquelas disfarçadamente oferecidas.

Lembrando-me do ontem, planejo o amanhã e vivo o hoje
Não como se fosse o último; mas único.

E se neste caminho couber o cúmplice amor a me acompanhar, serei completo; senão,
Simplesmente feliz, em mim, para mim e por mim!

Já não mais me importam as ondas, mas a maresia.
Nem mais me importam as flores, mas seus perfumes.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Uma Esmolinha, Pelo Amor de Deus?

(a outra visão)

Maldita sujeira rastejante,
Já tão cedo esparramada pelo passeio
Lançando-me essa mão imunda e atrofiada!

Por que não lhe avistei antes?
Já não há como desviar,
Já não há como voltar!

Uma esmolinha, pelo amor de Deus?
Não vê que tenho pressa?
Não vê que tenho preocupações?
Não vê que nada tenho a ver com sua desgraça?
Quem me dera também viver da ajuda alheia!

Nauseia-me o seu odor,
Repugna-me as suas partes,
Lá se vai o meu apetite!

Não toque em mim!

Ah, ar limpo!
Ficou, me fui – livre!
Amanhã desvio antes,
Ou nem passo!

Acho que vai chover.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Uma Esmolinha, pelo amor de Deus!

Bendito seja senhor doutor,
Que já perto vem sorrindo aprumado.
Homem moço, moço doutor, doutor salvador!

Vê-se logo o homem bom que é, o coração enorme que tem.
Vem para acabar com o jejum desta velha desafortunada,
Que aqui sobrevive sob sujeiras e doenças que cobrem tudo o que já foi um dia.
Cá está minha mão, belo senhor doutor, nela nem tocar precisa!

Perdeu o sorriso, senhor doutor?
Perdeu o compasso e o prumo?
O que foi que viu? Onde?

Venha mais perto, senhor doutor,
As feridas impedem meu levantar.

Ah! Não tenha medo, senhor doutor!
Desculpe-me pela vestimenta, são os panos que me restam.
Desculpe-me o cheiro, nem que pudesse, não tenho como me banhar.
Desculpe-me a doença, tapo minha boca!

Não, senhor doutor, não se vá!
Apenas uma esmolinha, pelo amor de Deus!
Qualquer trocado ajuda, qualquer coisa já me serve,
Não dê as costas a esta velha condenada.

Ah, o senhor doutor tem pressa!
E agora se vai feito um rato assustado,
Rastejando desengonçado pela imundice do meio-fio.

Não há de ser nada.
Quem sabe na volta, quem sabe amanhã, ou quem sabe em outra vida,
Maldito senhor doutor!

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Lançado o "Desce Mais Uma! - Primeira Rodada" em Santa Gertrudes

E aconteceu o lançamento do "Desce Mais Uma! – Primeira Rodada" na terrinha, lá no Reppertório Bar, em meio à MPB do Niltão e seguido de um bom e inevitável Rock and Roll.

Agradeço a todos que puderam participar deste importante e significante momento. Deixo um "salve" especial para todo o pessoal do Reppertório Bar que me presentearam com essa grande oportunidade!

Aproveito também para divulgar o álbum de fotos do lançamento em Santa Gertrudes

Clique na foto para acessar o álbum.

Obrigado e abraços a todos!!

Rafael

terça-feira, 4 de maio de 2010

Lembrete: "Desce Mais Uma! - Primeira Rodada" em Santa Gertrudes

Está chegando a hora do lançamento do "Desce Mais Uma! - Primeira Rodada" na capital do mundo, lá no Reppertório Bar, ao som do Nitão! Segue o cartaz dos evendos do fim de semana:


Lembrando:
Data: 08/05/2010
Horário: a partir das 18h30
Local: Reppertório Bar, Rua Hum, esquina com a Avenida 3 – Centro – Santa Gertrudes – Mundo!


Tá chegando...

Espero todos por lá!

Abraços....

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Lançamento do "Desce Mais Uma! - Primeira Rodada" em Santa Gertrudes

Em parceria com Reppertório Bar, anuncio e convido a todos para o lançamento do “Desce Mais Uma! – Primeira Rodada” em Santa Gertrudes (Capital do Mundo).

O Reppertório Bar é a mais badalada das casas de shows da megalópole e concedeu um espaço para lançamento do meu livro em território sagrado, o que me deixa extremamente gratificado.

Convido a todos a conhecerem a terrinha e me acompanhar neste lançamento que será regado pela excelente MPB do Niltão e, a partir das 23h00, Pearl Jam Cover!




Então:
Data: 08/05/2010
Horário: a partir das 18h30
Local: Reppertório Bar, Rua Hum, esquina com a Avenida 3 – Centro – Santa Gertrudes – Mundo!

Enquanto isso, o “Desce Mais Uma! – Primeira Rodada” também pode ser encontrado no Mercado Livre e na Livraria Cultura, e agradece qualquer tipo de ajuda na divulgação! (tá fácil não gente!)

Aproveito para agradecer especialmente ao Boy e todo o pessoal do Reppertório Bar por essa oportunidade, ao Ricardo Ricci (Jornal “A Cidade”) e à Odila Góes (Programa Culturando da “Rádio Cidade”) pelo apoio na divulgação e cobertura deste lançamento!

Um grande abraço a todos, aguardarei vocês por lá!


P.S.: Forasteiros, cuidado! Lá o sistema é “bruto”, “desce mais uma” significa mais uma “caixa”!

terça-feira, 20 de abril de 2010

Renascimento

Foi ao devastador estrondo do fraterno grilhão violado encontrando-se com o chão,
Que ele acordou de seu longo e profundo pesadelo vivido.

De uma só vez, tomou afoito e engasgado um profundo trago do novo mundo,
Vigorando todo seu conjunto enfermo, como um dia havia feito.

As finas e trêmulas pálpebras renderem-se à ofuscante e injuriante claridade esquecida,
Que lhe invadiu devastando cada canto escuro de suas entranhas fragilizadas.

Ao sentir a vida correr-lhe novamente, firmou o corpo livre e atordoado,
E sem hesitar, com joelhos sujos e mãos encardidas, pôs-se novamente a caminhar, flutuando, com novo sorriso e vento ao rosto.

Em paz, seguiu o caminho, a passos firmes e peito cheio,
Levando consigo apenas as cicatrizes de outrora e um delicioso brilho no olhar,
Rumando ao seu horizonte, sem olhar para trás,
Onde nada ficara enterrado, apenas guardado em quartos escuros de portas entreabertas.


quarta-feira, 14 de abril de 2010

Está feito: o "Desce Mais Uma! - Primeira Rodada" foi lançado!

Olás!!

É com muita alegria e satisfação que digo: está feito!! O tão perseguido sonho enfim se concretizou, o “Desce Mais Uma! – Primeira Rodada” está lançado!

Agradeço imensamente a todos que puderam participar (fisicamente e em pensamentos) deste importante e significante momento da minha vida. Como insisto em dizer, o apoio de todos vocês, durante todo esse tempo, foi fundamental para que a ideia saísse do outro lado como sonho realizado.

Agora a luta é a divulgação e venda dos exemplares (mais já estão sendo preparados). Como se trata de uma produção independente, estou tentando diversos canais para viabilizar e facilitar a divulgação e venda. De imediato, conto com o apoio de um amigo que trabalha há tempos com Mercado Livre e tem estrutura suficiente para trabalhar com seus diversos produtos e, agora, também com o “Desce Mais Uma! – Primeira Rodada”: http://www.mercadolivre.com.br/jm/item?site=MLB&id=146436610

Aproveito também para divulgar o álbum de fotos do lançamento feito aqui em São Paulo no último sábado, no bar Salve Jorge! Foi muito bom!


Clique na foto para acessar o álbum.

Muuuuito obrigado a todos!!

Rafael

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Um Ano Sem Você! - Por Renata Ares

Esta semana, minha amiga Renata Ares propõe um intenso depoimento e denso de saudades, lembranças e sabores! Neste meio tempo, preparo a postagem sobre o lançamento!

Ah! Que Saudade!

Saudade das noites assistindo filmes do Charles Bronson, comer mexerica e chupar laranja depois da meia-noite, de quando você me buscava no colégio, saudade das discussões sobre o BBB, de conversar com você sobre novela, saudade de como você boicotava as novelas que odiava, saudades das suas piadas, das batatas fritas, do arroz doce que nunca mais comerei igual, saudades de você... Saudade de saber que fazia parte de suas orações todas as noites antes de dormir, depois de fazer suas palavras cruzadas, depois de ler seus romances baratos de banca de jornal, saudade de passar creme nas suas pernas cansadas, de colocar suas meias nas noites de frio, saudades da sua força, da sua mania de doença, da sua caixa de remédios, saudade da sua inteligência, do seu modo de ver a vida, saudade da sua devoção aos seus filhos e a seus netos, saudade da sua dedicação a sua família, saudade do espaço que você preenchia naquela cadeira na beirada da mesa na frente da TV, saudades de como você reclamava quando vinha visita em casa, da sua sinceridade, saudade de viajar com você de ônibus pra Sertãozinho nas férias, saudade de ver você colocando aquele monte de bijuterias para ir ao banco (a gente ficava brigando pra ver quem ia ficar com o que quando você não os usasse mais...), saudades de você... Saudades das suas reclamações, de você brigando porque a comida ia esfriar, de ver você comendo em pé, encostada na pia, saudades das suas sopas, de ver você pintando o cabelo, de quando fazia permanente, saudades de ver você sorrindo, de ver você chorando, de ver você... Saudades de você!

Não sinto saudade da despedida, penso naquilo todos os dias... Mas prefiro acreditar que você não esta sozinha! Achei que ia ser fácil fazer isso, mas como dói falar de você, como você faz falta...

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Lembrete: Lançamento do "Desce Mais Uma! - Primeira Rodada"

Olás!!

Como lembrete do lançamento do “Desce Mais Uma! – Primeira Rodada”, envio-lhes o convite formal preparado pela Livrus - Giz Editorial, a qual já o formaliza em sua página na internet: http://www.gizeditorial.com.br/site/index.asp?pag=55.



Tá chegando a hora!!!



Um grande abraço!

Rafael

terça-feira, 30 de março de 2010

Lançamento do "Desce Mais Uma! - Primeira Rodada" (Agora vai!)

É com muita satisfação e frio na barriga que venho anunciar e convidar a todos para o lançamento do meu primeiro livro: Desce Mais Uma! – Primeira Rodada. (Agora vai, ufa!)

Mantendo a linha do blog, o lançamento será feito no bar Salve Jorge (como não poderia ser diferente) no dia 10/04/2010 a partir das 14h30.

Esta é a concretização de um longo trabalho que tem sido muito importante para mim e que tem acontecido graças ao apoio de vocês que sempre me acompanharam e incentivaram. Assim, convido a todos, e aos seus, para se achegarem por lá, puxar uma cadeira e comemorar comigo este primeiro grande passo. E desta vez, em todos os sentidos, pediremos: Desce Mais Uma!


Então fica assim:
Data: 10/04/2010
Horário: a partir das 14h30
Local: Salve Jorge Centro. Pç. Antônio Prado, 33 - Centro - São Paulo – SP (Ao lado Metrô São Bento - em frente à BMF) – http://www.barsalvejorge.com.br/

Um grande abraço a todos, aguardarei vocês por lá!



P.S.: não cheguem tarde, pois não sei até que horas terei condições de segurar a caneta...rsrs

segunda-feira, 29 de março de 2010

Selo Comentarista Excelente

Meu amigo Manu Lomelino do blogue http://manulomelino.blogs.sapo.pt/ homenageou o Desce Mais Uma com este selo que muito agradeço: http://brindesofertas.blogspot.com/2010/03/selo-comentarista-excelente.html.


Este selo tem a finalidade de homenagear os comentaristas que além da assiduidade dos comentários e do esmero com que são feitos, provocam-nos a reflexão, entusiasmo e empolgação para continuidade do nosso trabalho.








Com este espírito homenageio os seguintes blogues:

Mundo Cordel: http://mundocordel.blogspot.com/
Lado B: http://b-acido.blogspot.com/
Amador do Verso: http://amadordoverso.blogspot.com/
No Passo do Mundo: http://danielmaiasilveira.blogspot.com/
Cântico das Palavras: http://canticodaspalavras.blogspot.com/
Sentimentalidades: http://sentimentalidadesepalavras.blogspot.com/
Um Lugar aos Sol,Perto do Vento: http://umlugaraosolpertodovento.blogspot.com/
Quando eu me Chamar Saudade: http://quandoeumechamarsaudade.blogspot.com/
Tumor Hedônico: http://tumorhedonico.blogspot.com/
A Gueixa: http://confissoesdagueixa.blogspot.com/
Ave Sem Asas: http://avesemasas.blogspot.com/
Adoro Palavriar: http://adoropalavriar.blogspot.com/
Longitudes: http://nydiabonetti.blogspot.com/

O intuito deste selo é que os blogueiros referenciados façam referência ao blogue que os homenageou, escolham outros blogues que achem justo homenagear, com o respeito pelos critérios atrás indicados, copiem a imagem do selo e mantenham a lógica do texto aqui apresentado.

A todos os blogueiros que indiquei, espero voltar a contar com os vossas visitas e comentários.

Abraços!!

segunda-feira, 22 de março de 2010

O Alívio do Fim

Era um calmo fim de tarde de outono
De céu alaranjado e brisa gélida a entrar pela janela.
Ela tinha as têmporas banhadas pelo suor nervoso,
Mas só percebeu ao acomodar o cano.

Com toda a força do polegar deslizante, arrastou o cão raivoso até a posição de ataque.
O tambor girou como em um sorteio e ela assustou com o estrondo do encaixe.

Assentou cuidadosamente o indicador trêmulo e desajeitado,
Despejando toda delicadeza que pôde para retardar o tempo.

De lábios mordidos e olhos apertados,
Encheu os pulmões de vida e a segurou para si.
Usou tudo de si contra o corpo rígido e instigou o cão sedento.

O tempo freou e garantiu que toda sua vida, aos detalhes, fosse a penúltima trajetória a lhe passar pela cabeça.
E ao confrontar-se com suas alegrias, seus amores, seus sonhos, suas angústias, suas dores, seus medos e seus desesperos,
Com lágrimas a rolar, riu timidamente um riso liberto e aprovador.

Quando o cão, enfim, alcançara sua presa, tudo já estava pronto e nada mais havia a ser feito.
Apenas desmoronou-se, aliviada, em um punhado de história desorganizado que ainda cheirava a tristeza, e tinha um sorriso de canto.

terça-feira, 16 de março de 2010

Marcos Mairton: Pequena Tragédia Narrada do Final para o Começo

Marcos Mairton é colega de longa data e mantém o blog "Mundo Cordel". Entre um e outro cordel, elabora crônicas e contos que são divulgados pela web. Agora é a vez do Desce Mais Uma! divulgar um dos contos do Marcos. Visitem também o "Mundo Cordel" e conheçam um pouco do trabalho do Marcos.
Abraços a todos!


E tudo acabou ali. O corpo de um homem caído ao chão, morto, estendido ao longo do meio-fio de uma movimentada rua da cidade. Chamava-se Jorge. Fora atropelado. O carro que o atingiu havia se afastado rapidamente, em fuga. As pessoas que se aglomeravam em volta do corpo comentavam como tudo tinha acontecido.

– Foi muito rápido. Acho que o carro nem freou...
– Alguém anotou a placa?
– Parece que era 2501... Ou 2510, não sei...

Alguém observou que Jorge teria tentado atravessar a rua, mas estava olhando para o lado contrário àquele de onde vinham os carros. Andava depressa, quase correndo, como se perseguisse alguém, quando o acidente aconteceu.

De fato. As pessoas que estavam ali não sabiam, mas Jorge tentava alcançar Sonia. Seguia-a desde o estacionamento de um shopping próximo dali. Ela havia chegado em um carro preto, com vidros escuros que impediam a identificação do homem que estava à direção. Quando o carro se afastou, ela olhou para trás e deu de cara com Jorge, que a observava à distância.

Foi um choque. Jorge havia estacionado seu próprio carro e se dirigia para os elevadores do shopping, quando viu Sonia desembarcar. Antes de fechar a porta e se afastar, ela inclinou-se para dentro do carro. Mesmo de longe, Jorge pôde ver que se tratava de um beijo de despedida.

Mas, na verdade, aquela cena não havia sido totalmente uma surpresa para Jorge. Nos últimos dias, ele tinha estado nervoso, acompanhando cada vez mais de perto os passos de Sonia. Ficava atento às ligações que ela recebia no celular, para ver se percebia algo de suspeito. Mesmo quando as conversas dela ao telefone eram sobre os preparativos do casamento, ele disfarçava e ficava ouvindo, tentando identificar alguma linguagem em código. Jorge tinha ciúme de Sonia, e esse ciúme havia evoluído para a desconfiança. Certa vez havia dito para ela, em tom de brincadeira, mas segurando fortemente o seu braço:

– Se um dia vir você com outro, mato os dois. Primeiro você, depois ele.
– Que é isso, Jorge? Você está louco? – dissera ela sorrindo, mas sentindo que havia algo de verdadeiro na advertência que lhe fora feita.

Sonia sabia que Jorge andava desconfiado. Também sabia que havia motivo para isso. Era uma situação que já se arrastava há algum tempo. Estavam noivos há mais de um ano, mas, nos últimos dois ou três meses, Jorge notara comportamentos estranhos em Sonia. Já não mostrava tanta empolgação quando falava do casamento, diminuíra a quantidade de vezes que ia ao futuro apartamento do casal e – o mais sintomático – comumente deixava de atender as ligações de Jorge para seu celular, retornando apenas horas depois, sempre explicando que deixara o aparelho na bolsa ou estava em alguma situação que não podia atender. Jorge tentava não demonstrar, mas essas justificativas não o convenciam, especialmente porque, quando os dois estavam juntos, Sonia nunca deixava o celular tocar mais que três vezes. O mais comum era atender ao primeiro toque, deixando transparecer certa ansiedade, ainda que contida.

Tudo isso fazia com que Jorge já não visse em Sonia aquela noiva apaixonada de poucos meses atrás, que falava com ele quase o tempo todo sobre o casamento e mostrava com alegria pequenos utensílios comprados para a composição de seu futuro lar. Bandejas, pratos, copos, coisas às quais Jorge não dava a menor importância, embora procurasse demonstrar atenção quando ela exibia e explicava como cada objeto seria usado depois que estivessem casados. Fosse Jorge dotado dessa capacidade que as mulheres têm de se concentrar em detalhes, talvez houvesse observado que, aos poucos, a única parte do casamento que passara a merecer toda a atenção de Sonia era a programação musical da festa. Quase todo o dia ia à casa do cantor e produtor musical Giovanni Ramos, lá permanecendo por horas a fio, às vezes a tarde inteira.

Jorge não tinha conhecimento da frequencia com que Sonia se encontrava com Giovanni, embora já houvesse acontecido de procurá-la em casa e obter a informação de que ela teria ido à casa do músico.

– Fui pegar o DVD de um casamento onde ele se apresentou. Eu nem ia entrar, mas a namorada dele estava e me convidou para ver o filme com ela...

Jorge, que por esse tempo ainda não havia começado a desconfiar de Sonia, acreditou. Até ficou aliviado por não ter que assistir a mais uma cerimônia de casamento ao lado de Sonia, mormente quando o objetivo era apenas observar detalhes da decoração e das roupas, já que os noivos eram pessoas que eles nem conheciam.

Além do mais, Jorge dava-se muito bem com Giovanni. Foi ele quem apresentou o cantor à noiva. Uma de suas raras intervenções na organização da festa de casamento foi exatamente sugerir a contratação do músico para cantar na cerimônia.

Naquela noite, o casal recebera Giovanni na casa da mãe de Sonia e, enquanto os três estavam reunidos, Sonia sugeria as músicas mais românticas que conhecia. Giovanni não se furtava a interpretar trechos de algumas delas, às vezes ao violão – que sempre levava consigo nessas ocasiões – às vezes sem acompanhamento algum, “na capela”, como os artistas costumam falar. Era nesses momentos, quando apenas sua voz solitária ecoava pela casa, que Sonia mais se emocionava.

Foi no meio de uma dessas canções que Jorge afastou-se para atender ao telefone e o olhar de Giovanni se encontrou com o de Sonia por alguns segundos. Tempo suficiente para fazer disparar a série de acontecimentos que levaria à morte de Jorge dali a alguns meses.

Houvesse imaginado que isso poderia acontecer, Jorge jamais teria convidado Giovanni para ir à casa de sua futura sogra naquela noite. Os dois haviam se conhecido no dia anterior, pela manhã, quando Jorge levara seu carro para fazer uma revisão e aguardava o transporte que o conduziria para casa. Giovanni estava ali pelo mesmo motivo.

Antes de entrarem na van da concessionária, já haviam conversado o suficiente para Jorge saber que estava diante do cantor Giovanni Ramos, de quem Sonia havia falado há alguns dias, dizendo que o vira em uma apresentação no casamento de uma amiga e gostara muito.

– Rapaz, você tem que vir à casa de minha sogra! Minha noiva não vai acreditar nessa coincidência! – convidou Jorge, animado com a surpresa que faria a Sonia.
– Vou sim. Se depender de mim, vocês casam ao som da minha banda!

Era realmente uma grande coincidência. Justamente ele – que, apesar de querer muito casar com Sonia, não levava o menor jeito para a organização da festa – conhecer casualmente e se afinar tão bem com o cantor que ela tanto gostaria que participasse de seu casamento.

Mas aquela não havia sido a única coincidência daquele dia. A primeira havia acontecido quando Giovanni chegou à concessionária dirigindo um carro parecidíssimo com o de Jorge, um Corola preto, com vidros escuros. Percebendo a semelhança entre os dois automóveis, Jorge aproximou-se e comentou com o recém chegado:

– Bom dia, amigo! Desculpe eu estar olhando assim para o seu carro, mas é que estou impressionado com a semelhança com o meu. Aquele que está estacionado ali...
– É verdade. Mas aqui na concessionária aparecem muitos desses, não?
– Imagino que sim. Mas o seu tem outro detalhe que chamou mais ainda a minha atenção. Vou casar daqui a seis meses e minha noiva acabou de me ligar confirmando que já reservou a igreja. Pois não é que os números da placa do seu carro formam exatamente a data do casamento?!
– Vinte e cinco de janeiro? – admirou-se Giovanni.
– Exatamente. Vinte e cinco de janeiro...

Foi assim que tudo começou.

segunda-feira, 8 de março de 2010

O Último Amigo

Todos já se foram, senhor coveiro?
Não eram muitos, não é?
Será que não deu tempo de avisar todo mundo? É, acho que foi isso!
Mas se foram rápido...

O senhor já vai começar? Não quer conversar um pouco?
Está bem, mas há como não colocar muita terra?
É que eu gostaria de sentir um pouco do calor do sol amanhã e já está ficando frio aqui.
E também não queria que ficasse muito escuro.
Entenda, é a minha primeira noite!

O senhor estará por aqui? Não? Que pena!
É um pouco estranho ficar aqui. Não tem mais ninguém?

Calma, devagar!

Tem muitas flores aí? Deixaram recordações?
O senhor viu se choraram?

Não, não jogue tanta terra, está escuro demais agora!
Na cabeça não, por favor! Não!
Deixe um lampião aceso ao lado da lápide, ao menos essa noite – as velas se apagam.
Não há? Como assim? E meu nome?

Como vai a família? Vamos conversar um pouco antes de partir?
Senhor coveiro? Senhor coveiro?
Está escuro aqui! Que silêncio é esse? Já é noite?
Senhor coveiro? Por favor, fale comigo! Senhor coveiro?

Fique um pouco mais! Acho que estou com um pouco de medo!
Senhor coveiro? Por que esse silêncio todo?
Está frio e nem dá para tremer.
O senhor jogou muita terra!

Senhor coveiro? Senhor coveiro?
Volte aqui seu maldito!
Não me deixe aqui, desgraçado!
Senhor coveiro? Olá?

segunda-feira, 1 de março de 2010

Plenitude Própria

Nos momentos em que a ausência de si, em si, mesmo que insuportável, torna-se necessária como pagamento por aquilo que a si foi docemente oferecido, por si eternamente saboreado, e de si irresponsavelmente tomado com irreverente sarcasmo, é que a plenitude própria é a si apresentada em sua forma mais pura.

Levante e cante!

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Ondas, e Adeus

Ah, meu amigo, espero ter aproveitado ao menos o suficiente, pois já é tarde, tarde demais!
Vim longe demais – bem que me disseram.
Só agora, com a maré a molhar meus pés e a tudo inundando, é que percebo.
Tarde!

Afastei-me demais!
Mas ainda era seco e o tempo estava bom.
Distraí-me com tamanho encantamento e agora já não há como voltar.

Lá vêm elas, colossais, zombando da minha ingenuidade.
Por todos os lados, de mãos dadas, feito muralha, deslizando com elegância e prazer diabólico em minha direção.
Apenas ondas, e tudo se acaba.

Cercado, não há mais o medo, mas a impotente angústia petrificante firmada diante da onipotência, inevitável.
E num divertimento assustador, desabam com todas suas forças e deleites, por todos os lados, sobre mim.
No último momento de insano desespero, tentei, com toda minha voz e desejos, gritar por ajuda; mas, sufocado e inundado, engasguei!
Com braço estendido e mão espalmada, afundei surdo, com os pulmões cheios dos últimos e ternos momentos, à espera de outra redentora.

Quisera poder voar, invés de apenas lembrar.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Grandioso Galho Qualquer

Eita, galho majestoso, com que prazer baila ao vento sedutor que o acaricia em plena altura da copa!
Com razão e direito ostenta seu verdor juvenil das incontáveis folhas que lhe revestem e lhe dão forma.
Canta orgulhoso e radiante pela honra de simplesmente sê-lo: escolhido.
Entre outros de outras é o grandioso e o invejado, um dos maiores, único em si – em si!

Mas, atente-se!
Você compõe a paisagem, não a é.
É apenas mais um entre os tantos: grandes e fracos, frondosos e minguados; mais um!

Ingênuo, somente no vendaval entenderá que sempre esteve sozinho.
E lhe digo: segure-se como puder, porque sua beleza não será suficiente.
Sua magnitude lhe trairá, envergará até o limite das suas fibras.
Suas belas folhas pesarão o suficiente para amaldiçoá-las e repugná-las em meio a tanta dor.

E, se bravamente resistindo e suportando todas as dores que lhe forem impostas, envergar a sua própria árvore, encontrará a pior delas: ela se livrará de si!
Impotente, será partido no nó e rejeitado por seu defeito, que ora fora sua maior virtude e encantamento – quando de nada precisava.

Agora, fraquejado, agoniza seus últimos momentos.
Jogado à parte, descartado, sozinho: seca!
Os que precisam não são dignos de completar uma paisagem.
Se tiver sorte, virá o fogo ou o machado para aliviar suas dores e lhe sepultar longe daqui, galhada seca!


segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Desceu Mais Uma na Terrinha!

Na última sexta-feira, o "Desce Mais Uma!" ganhou mais um grande presente: um artigo completo na coluna do Ricardo Ricci no jornal "A Cidade" de Santa Gertrudes - haja comemoração!

Convido a todos a conferir a matéria na íntegra, com direito à página do jornal que circula na megalópole.

Meus sinceros agradecimentos ao Ricardo por possibilitar essa grande oportunidade!

Abraço a todos...


* * *

Há pouco mais de um ano foi ao ar o blog “Desce Mais Uma!” (http://descemaisuma.blogspot.com). Criado e mantido por Rafael Castellar das Neves, o Desce Mais Uma! apresenta poesias, crônicas e contos sob temas que abordam situações cotidianas da existência humana – esquecidas e escondidas –, de forma crua, intensa e com pitadas sarcásticas.

O blog nasceu da decisão do Rafael em assumir seus rabiscos – até então jogados ao lixo – e apresentá-los publicamente. Diversas foram as opções após essa decisão, mas entre conversas e pesquisas o blog foi escolhido, uma vez que possibilitaria uma divulgação mais abrangente e uma forte interação com os leitores.

O “Desce Mais Uma!”, conforme o tão conhecido bordão, faz referência às tantas conversas, situações, causos e papos furados que se passam nas mesas dos bares. Mas que são discutidos com muita intensidade e sem pudores, que são deixados do lado de fora. Em seu primeiro aniversário, o blog foi reformulado e ganhou uma aparência que mistura boemia e literatura.

Os textos são publicados semanalmente e, devido às facilidades dos mecanismos de um blog, os leitores podem acompanhar, comentar e debater sobre cada texto publicado, junto com o Rafael que está sempre interagindo com seus leitores.

“A possibilidade de interagir com os leitores é uma das grandes vantagens de um blog. É incrível poder acompanhar e conhecer as reações causadas pelos meus textos. Alguns leitores passam a se fidelizar e assim vamos os conhecendo e conhecendo seus gostos. Algumas vezes, ao terminar um texto, já posso pensar: esse fulano é que vai gostar, enquanto beltrano vai se incomodar. Acho que esse é o grande resultado de uma criação artística: o efeito causado aos expectadores.”

"Outra grande vantagem de um blog é o fato de ele estar na internet. Hoje os textos são lidos e comentados em várias partes do mundo e a velocidade e abrangência de divulgação é fantástica. Posso acompanhar reações de leitores de culturas diferentes da nossa, que vivem em um contexto completamente diferente, e isso traz muita satisfação e empolgação com o trabalho. E uma vez que temos novos olhos sobre nosso trabalho, portas começam a se abrir. Além de publicações em blogs de grande referência, um grande exemplo é a publicação de um dos meus textos na revista italiana Multipoesia, a qual também veicula na internet um vídeo de minha autoria. Outra parceria que merece atenção é a criação de outro blog com mais quatro escritores portugueses, o Rasuras.”

“E foi a própria internet que permitiu um retorno do meu trabalho a minha terra, por intermédio da Odila Góes que me encontrou e me deu a grande oportunidade de uma participação memorável em uma das edições do seu programa Culturando, na rádio da nossa cidade.”

“Todos estes grandes momentos, inclusive este, estão disponíveis no “Desce Mais Uma!” e convido a todos a passar por lá e conhecer um pouco do meu trabalho, serão muito bem-vindos!”

Além do blog, o Rafael ainda mantém projetos relacionados em paralelo. Um deles, em primeira mão, é a edição independente de um livro comemorando o primeiro ano do blog, a qual deve ser concluída nos próximos meses: fiquem de olho no blog para acompanhar este lançamento.