segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Urubus, Gaivotas e a Cidade

Meu amigo Léo Monçores nos propõe mais uma de suas grandes crônicas cariocas que nos levam a pensar em nosso cotidiano a partir de visões diversas e cúmplices que nos passam despercebidas.

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Atualmente tenho o privilégio de trabalhar ao lado de um dos cenários mais lindos do mundo. Do 30º andar, tenho uma visão privilegiada da Baía de Guanabara, Aterro do Flamengo, Pão de Açúcar e Corcovado, além da Marina da Glória. Com uma vista dessas, é fácil aliviar as tensões do dia a dia em apenas alguns minutos de contemplação.

Todos os dias, faça chuva ou faça sol, uma turma animada desfila perto da minha janela e consegue desviar a atenção do observador. Eles são menos disciplinados, às vezes sós, às vezes em bando, com uma aparente falta de preocupação com o mundo ao seu redor. Não são bonitos, mas impressiona a beleza de seus voos e como dominam uma área na qual, por mais progresso e tecnologia que tenhamos, jamais conseguiremos um índice de eficiência parecido com os deles.

Parecem voar por prazer, abrindo as asas e deixando o vento e as térmicas conduzi-los através do nada, em alguns momentos lembram os homens-asa, que cortam os céus do Rio também com prazer e maestria embora sejam apenas humanos e limitados em seus sonhos.

Elas são mais elegantes e simpáticas, parecem mais “ligadas” na sua função de voar, aparentam estar sempre procurando alguma coisa, que elas mesmas ainda não definiram. Ao contrário dos amigos de asas negras, gostam de voar em formação e dificilmente estão desgarradas da “esquadrilha”, que pode ser pequena ou chegar a algumas dezenas de membros.

As paisagens urbana e selvagem do Rio se misturam naturalmente. Encostas, praias e prédios misturam-se na geografia. As aves estão totalmente integradas ao cenário e nos desafiam todos os dias com a sua capacidade de alcançar o inatingível para nós, seres humanos, utilizando apenas o que lhes deu a natureza. Cumprem sua missão sem questionamentos, leves, seguindo suas rotas já definidas há séculos, guiadas por seus instintos e asas.


Refletindo sobre isso, constato, mais uma vez, como nós, seres humanos, somos limitados em nossa tão desejada liberdade de “ir e vir”. Vamos aonde é possível e, invariavelmente, nos preocupamos com a volta. Ao contrário dos amigos alados, que conseguem, sem grande esforço definir o “plano de voo” de acordo com suas necessidades e vontades.

A única coisa que vislumbro em comum entre as duas espécies, humanos e aves, é a luta para sobreviver numa cidade que é maravilhosa no apelido, no contorno e na realidade, mas, guarda em seus recantos e paisagens o risco e o imprevisível, o urgente e o relaxado, o exuberante e o feio, o admirável e o maltrapilho.

Visto de cima é tão lindo!!!

Por Léo Monçores

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Água Dura

Foi pela paciente insistência no tanto bater, e só por esse motivo, que venceu a água a pedra, fazendo-a ceder contra a própria vontade e natureza, impotente de fuga.

E no extasiante momento da vitória, as forças, que teimavam em existir sem origem sabida, sucumbiram em trêmulo deleite à recompensa do delicioso entranhar-se de dois desconhecidos novos mundos, sem tornarem-se apenas um, mas inseparavelmente úmidos, eternamente marcados por um majestoso instante de conquista.