quinta-feira, 26 de maio de 2011

O Sorriso do Boiadeiro

Pessoal, estive fora por alguns dias, mas as portas continuaram abertas.
Aproveito para convidá-lo a participar da enquete ao lado, que me direcionará em um projeto meu.
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        Estávamos à beira do Goiás, a um passo do Araguaia e a dois do Tocantins, quando percebemos os grandes borrões esverdeados que se espalhavam pegajosos pela estrada, denunciando que seus autores seguiam no mesmo sentido que o nosso e logo deveriam se apresentar como parte da paisagem.
Empolgados, andamos mais alguns quilômetros e nos deparamos com uma boiada de garrotes, tocada ao ritmo natural dos meninos que se atropelavam e se esgueiravam à caça de bocados do braquiária que cresce insistentemente às margens do asfalto.

        Desde pequeno ouvi as histórias dos bravos boiadeiros que tocavam e zelavam a boiada por enormes distâncias e complicadas situações. Suas montarias sempre foram alvo de respeito e os arreios de inveja. As famosas mulas briosas elegante e rusticamente enfeitadas por arreios argolados e grossos pelegos que confortavam o acento das resistentes portas-capelas. Foram tantas as referências e as tentativas de aproximação que se fundaram em minhas imaginações e minhas admirações e, de repente, se personificaram bem diante de mim.

        É claro que não resistimos e paramos para algumas fotos. Pedimos as devidas permissões aos boiadeiros que guardavam a retaguarda da boiada e eles nos atenderam com muita simpatia e simplicidade. Fizemos fotos deles, fotos montados nas mulas e conversamos um bocado. Eram boiadeiros de verdade, que carregavam na pele o cansaço e as marcas de uma vida dura e árida. Uma vida com poucas expectativas além das que se apresentavam como fatos rotineiros a serem arduamente transpassados todos os dias.

        Mas toda a euforia daquele momento foi posta de lado, sem ressentimentos, diante desta simplicidade e a alegria com que fomos recebidos. Não se tratava da alegria de ser fotografado, ou cortejado com inúmeras perguntas e curiosidades da “gente da cidade”; mas de uma alegria intrínseca e natural, que corre em suas veias, brotada de um coração enorme e inexplicavelmente, nos dias de hoje, verdadeiro.

O sorriso no rosto daquele homem – com o qual mais conversei – era algo fascinante. Não se era um sorriso por entre palavras, mas palavras por entre sorrisos. Algo que não se limitava à expressão facial, mas que se compunha pelas palavras, pelas entonações, pelos gestos, pelos olhares, pelos movimentos e até pela timidez. Um sorriso que resplandece, não pelos seus motivos, mas pelos seus efeitos. Um sorriso puro e gentil, nada pueril, de homem sofrido, fora de casa há mais de um mês, que luta pesado todos os dias, recebendo da vida, com este sorriso, todos os golpes, todas as dificuldades, todas as ausências, todas as quedas; mas que recebe, de coração ainda mais aberto, e talvez por isso o sorriso, os pequenos presentes que a vida nos dá a todo momento, em todos os dias, e que fazemos questão de sufocar com as reclamações e injúrias de nossos problemas.

        Não digo que tenhamos de parar, levar a mão à cabeça e pensar no que temos e no que eles não tem e nos redimir diante da situação alheia; pelo contrário, excomungo este tipo de nivelamento de vida, apenas penso que vale a pena, em todas as nossas manhãs, nos lembrarmos, por alguns instantes que sejam, que devemos abrir mais nossos olhos e apurar nossa percepção em busca dos pequenos detalhes com os quais somos presenteados todos os nossos dias, pois está na simplicidade da existência as maiores e melhores razões que fundamentam a verdadeira felicidade.

        Por não me lembrar de nenhum outro, firmo em minha vida que neste dia conheci a verdadeira felicidade de viver.

        Com ou sem peixe, a pescaria estava salva!

domingo, 8 de maio de 2011

Carta ao Amigo Desolado

        Caro amigo Desolado,

        Ao que percebi, pela sua última carta, você não tem passado por momentos muito agradáveis e sua fé nas pessoas está se perdendo. Inevitavelmente, aqui vai um conselho: perca-a!

        Explico-lhe: não lhe peço para crer que as pessoas não têm valor ou que sejam dignas de descaso, mas que você deve entender que os valores são para si e que deve se atentar mais sobre si mesmo, sobre suas necessidades – independentes se soam ridículas ou utópicas. Apenas olhe para si, não no meio em que vive, mas meio único apenas seu, onde somente exista você. Sei que isto sim soa ridículo, mas esta é uma das verdades da vida e que pretendo lhe explicar.

        Não é a verdadeira consideração ou dedicação entre as pessoas que têm diminuído – pois ambas nunca realmente existiram –, mas a manifestação da desconsideração e do descaso humano que tem tomado um lugar cada vez maior, sobre diversos aspectos, mas sobre um principal motivo: o egoísmo. Não se trata de um egoísmo no sentido direto de preferir ou exaltar o próprio ser, mas de abstê-lo de compromissos e responsabilidades para com os problemas alheios. Realmente é – e tem que ser – um verdadeiro “cada um por si”.

        Também não quero ser um mensageiro do apocalipse, mas, talvez, uma luz que ilumina certas verdades que você não quer enxergar, mas as sabe muito bem, disto tenho certeza!

        O relacionamento entre as pessoas ainda é uma necessidade intrínseca a ao ser humano, e isto é um fato do qual não adianta nos refutarmos! O que temos é que nos atentar à profundidade que estas relações podem se apresentar. Não me refiro aos pesos que nós mesmos colocamos ou ao tão longe vamos, mas ao como lidamos com isso. É inevitável nos jogarmos de cabeça ou nos dedicarmos com todo nosso ímpeto a certas situações e relações que nos fazem bem e das quais enxergamos – míopes – um futuro dourado, mas temos, de alguma forma (se souber me conte) nos conter sobre nós mesmos, em uma realidade dura. As relações, por mais que digam, nunca são bilaterais, a balança sempre penderá para um dos lados e, acredite, o outro lado está se lixando. Tentar se posicionar e deixar claro seus medos, suas necessidades e até o seu jeito, não vai ajudar, pelo contrário. Se quiser que realmente funcionem, terá que consumir em si mesmo estas necessidades, estes medos e estas querências; do contrário, será visto e definido como um tolo infantil, quem sabe apenas um idiota!

        Infelizmente, a parte realmente verdadeira é que cada um dos envolvidos quer satisfazer as si próprio e nunca ao próximo. Para cada parte, a relação somente será agradável e valerá a pena enquanto tiverem suas necessidades nutridas, mesmo que para isso, vez ou outra, tenham que encenar um interesse pela outra parte, sob o tão batido “é dando que se recebe”.

        Por isso, meu caro amigo, não espere que ninguém lhe ajude com suas necessidades, não espere que ninguém lhe entenda, não espere que ninguém lhe estenda a mão quando você cair, não espere que ninguém enxugue suas lágrimas e, acima de tudo, não espere que aceitem seus sentimentos! E olha que não falo de compreensão, apenas de aceitação.

        Nunca, e digo novamente, nunca, exponha seus sentimentos! Ao fazer isso estará decretando o fim daquilo que mal começou. Nos dias de hoje, sentimentos são tratados como fantasias pueris, todos esperam uma posição mais firme e decidida uns dos outros ao lidar com os próprios problemas, por simplesmente ser mais fácil e abster-se das responsabilidades e esforços que deveriam ser herdados pela cumplicidade que se é, mentirosamente, proposta.

        Sendo assim, quando quiser chorar, vá tomar um banho, pois assim não será ridicularizado, pois homem não chora; quando precisar de carinho, pense em comprar um cachorro, pois ele não entenderá o que se passa e permanecerá do seu lado; quando seus sentimentos lhe sufocarem, abrace forte seu travesseiro, pois ele não lhe reclamará se sentir sufocado; quando tiver raiva, morda a própria mão ou soque a parede, pois a dor pode lhe aliviar, nunca aquele que lhe pede para contar; quando lhe tiverem raiva, agradeça aos céus, pois será verdadeiro; quando precisar ser compreendido, ponha-se diante de um espelho e converse, pois, provavelmente, somente você poderá lhe entender; quando a dor for intolerável, tome algo que lhe tire de si, pois o contrário pode lhe causar ainda mais; e, acima de tudo, quando não conseguir cumprir estas regras e acabar por apresentar estes fatores, corra, mas corra como nunca correu, durante três dias e sem olhar para trás, pois, se vacilar, conhecerá a verdadeira dor da sua própria existência.

        Então, amigo meu, me despeço aqui, pois já muito lhe fiz por esta vida. Quero, também, que saiba sempre que caso precise de um ombro, de um consolo ou de uma palavra amiga, vá para um bar ou para uma igreja – talvez para o inferno –, porque nem estarei aqui para isso.

        Sem mais,

        Seu grande e verdadeiro amigo.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Refletindo

Mais uma do amigo Léo Monçores, que nos faz realmente refletir sobre esta questão que encaramos todos os dias, e que em nosso país é algo velado, tido como inexistente; mas que na verdade é muito presente e acontece, mesmo que anonima e bilateralmente, em todos os meios sob todas as formas. Abraço Léo!

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        Hoje estava observando o preconceito nosso de cada dia. Na rotina da condução, estava, como de hábito, absorto nas notícias que chegavam pelos meus fones de ouvido quando o assunto começou. A conversa girava em torno de homens bonitos que tinham optado por “sair do armário” e assumir a homossexualidade. Retirei um dos fones e me liguei, parcialmente, na conversa que se desenrolava:

        - Acho uma falta de vergonha, dois rapazes tão bonitos, se beijando em público! – dizia uma das senhorinhas do alto de seus quarenta anos com a convicção de quem sabia toda a verdade da vida.

        - Já falei pro meu filho, quer ser bicha, vai ser, mas, pelo amor de Deus, não fica fazendo vergonha na rua – falou, revelando uma insuspeita liberalidade.

        Após isso, a sua interlocutora se pronunciou falando de um famoso que decidiu se revelar e daquela atriz da TV que, diziam, tinha um casamento de “fachada”, demonstrando total intimidade com o mundo das celebridades.

        Depois a conversa caminhou para gente “pobre”. Churrasco de linguiça e asa de galinha, cerveja barata, música ruim (na visão de quem criticava), e, claro, feiura e falta de educação. Após isso, o assunto foi criação de filhos. Claro que os outros não sabiam fazer nada direito. Resumindo, falaram de quase tudo, sempre colocando uma visão crítica e preconceituosa nas suas opiniões e convicções.

        Depois de várias demonstrações de preconceito explícito e opiniões, no mínimo, discutíveis, desci no meu ponto e fiquei pensando. O que leva as pessoas a pensar que são melhores que as outras? Por que se acham mais capazes, mais bonitas, mais inteligentes, mais bacanas, mais, mais, mais que as outras? Será por isso que vivemos cercados de intolerância? Será por isso que estamos tão distantes uns dos outros? Será por isso que as vidas estão cada vez mais complicadas?

        Será por isso que, escrevendo estas linhas, eu também estou praticando o que acabo de condenar e julgar, me colocando como um indivíduo melhor do que aqueles dos quais ouvi opiniões e valores com os quais não concordo?

        Falta diálogo, falta tolerância, falta verdade, falta amor.

        Discordar da opinião alheia sem julgar é muito difícil, mas vale o exercício. O rótulo que colocamos nas pessoas ao nosso redor vai-nos tornando piores, como cidadãos e como seres humanos. O respeito mútuo deve ser norma de conduta, mas parece que a sociedade tem cada vez mais dificuldade, e menos vontade, em praticar isso. Emitir opiniões sobre quem quer que seja sem saber detalhes daquela existência, ou até mesmo sabendo, é, no mínimo, arriscado e pode nos levar para os piores abismos das relações. Os do egoísmo e da presunção.

        Apenas uma reflexão...

Léo Monçores