segunda-feira, 1 de junho de 2009

Em Uma Encruzilhada Dessas - Parte I

Aos joelhos, em uma catedral na região central, à penumbra, dividindo um ar pesado e gasto com um ou dois mendigos, ele clamava por luz em sua vida, por orientações, por ajuda, por paz. O silêncio era quebrado por ruídos de carros na rua, tosses tuberculosas, suspiros e orações sussurradas entre pensamentos pecaminosos. Seus olhos transbordavam súplica, dores não reveladas, acumuladas de uma vida de buscas frustradas e tão desacreditadas. Suas mãos se abraçavam com força para manter os músculos rijos para acalmar o corpo que entrava em uma situação de colapso.

Foi então que sentiu um toque leve de uma mão gentilmente repousada em seu ombro direito. Levantou o rosto desfigurado, virou-se vagarosamente tentando se recompor e estremeceu-se à imagem às suas costas: um alto e esguio anjo, de cabelos louros e cacheados, olhos azuis, nariz afilado, pele clara e macia, sob um manto azul claro e com um sorriso sincero e amistoso. Estupefato, ele, trêmulo, escorou-se desgovernado no acento do banco de madeira escura enquanto o anjo lhe estendia a mão. Ele pegou a mão do anjo e levantou-se, com passos incertos seguiu-o até a porta principal por onde entrava uma luz ofuscante que não permitia ver o que se passava do lado de fora.

Ao chegarem à porta, ele se deparou com um nada, um branco. Não havia chão, não havia a rua, não havia nada e quando suas pernas fraquejaram tentando levá-lo de volta para dentro, o anjo deslizou em um mergulho suave e veloz, trazendo-o pela mão. Logo o medo que lhe arrancara as entranhas se aliviou e se transformou em curiosidade, emoções diversas o tomavam e o anjo continuou em manobras arrojadas e confortáveis.

Quanto mais desciam, o branco dissipava-se, azulando-se, tomando texturas, feito lençóis finos dançando ao vento cobrindo o infinito, num balançar gracioso e tranquilizante, escondendo mistérios e belezas inimagináveis, desejáveis. O anjo nivelou e diminuiu. Ele pôde sentir o rosto molhar pela brisa e a maresia tomar lugar em seu corpo. Plainavam rente à água, a ponto de poder ver vultos de cardumes os acompanhando e o anjo lhe disse:

– Veja toda a vida sob estas águas azuis, das mais variadas espécies, cores e formas. Mas não se pode sentir o toque da água, nem ver todo o mundo protegido logo abaixo, pois a água deve ser enfrentada, se merecido for. Somente aqueles que se fazem dignos que podem desfrutá-las.

– E o que é preciso para ser digno de desfrutá-las? – perguntou empolgado ao anjo.

O anjo não respondeu e continuou o vôo. Logo avistaram terra firme e próximo à areia da praia o anjo elevou-se e tudo tornou-se verde revelando extensas florestas que aos poucos tomavam formas, feito um tapete felpudo que cobria tudo que estava abaixo. Quando estavam próximos o suficiente para ver as copas de árvore e sentir o ar gélido e úmido que subia, o anjo novamente diminuiu. Plainavam suavemente sobre o verdume e o anjo lhe disse:

– Veja a beleza do verde da floresta, das mais incríveis tonalidades, com pitadas de coloridos das flores da época, de bandos de aves gritantes, mas não se vê o chão. Pois o chão é para ser trilhado e não admirado. E do chão não se vêem as copas. Somente aqueles que se fazem dignos podem contemplá-las.

– E o que é necessário para ser digno de contemplá-las? – perguntou curioso ao anjo.
O anjo não respondeu e continuou o vôo em silêncio e ele notou que não era possível ver o chão em ponto algum e que talvez ele fosse digno. A floresta terminou em um vale que parecia delicadamente feito a pinceladas. Então o anjo disse:

– Veja quão belo é este vale quase perdido, quase esquecido. Olhe o gramado que o reveste, é como uma película aveludada que faz cócegas aos pés descalços. Finos e transparentes córregos o cruzam e se encontram naquela lagoa, e continuam em um riacho mais ousado. Os animais pastam despreocupados, as plantas florescem sob a luz clara e leve deste imutável sol de primavera. A brisa é constante e fresca e varre toda a cena, com a delicadeza de um toque maternal. Tudo é cuidadosamente cercado por estas montanhas rochosas e esculturais que são altas o suficiente para nãos serem transpassadas por aqueles que não são dignos e estrategicamente colocadas para não esconderem nada com suas sombras durante o dia. Aqui é um recanto àqueles que são dignos. Aqui podem tomar fôlego e recuperar as energias para a última jornada.

– E o que é necessário para ser digno para poder repousar meu corpo velho e cansado? – perguntou desejoso ao anjo.

O anjo novamente não respondeu e continuou o vôo em silêncio, mas desta vez em alta velocidade em uma ira súbita, rumo à parede rochosa de uma das montanhas e no último instante manobrou para cima, a centímetros da parede, e subiu a toda velocidade, rente ao paredão que já não tinha mais verde, mas começava a se tornar branco. Ele foi tomado pelo medo e não entendia porque tinham deixado o vale e porque o anjo agia daquela forma, mas o pavor não permitia nenhuma palavra, nenhuma reação. Bruscamente o anjo diminui e delicadamente pousaram sob uma pequena plataforma rochosa, coberta por gelo, acima das nuvens e o anjo lhe disse:

– Vê aquelas muralhas?

– Sim! – respondeu ele se esforçando para ver onde terminavam, mas estavam cobertas pelas nuvens. – Até onde vão?

– Vão até onde é suficiente – respondeu o anjo em um tom mais sério –. Atrás daquelas muralhas está o lugar que todos procuram, que alguns chegam e poucos entram. Lá é o lugar sagrado e reservado para aqueles que são realmente dignos, aqueles que fizeram por merecer, que seguiram as palavras e trilharam todo o caminho. É o lugar onde nada termina. É o lugar de paz onde o mal nem ao menos ronda. É o lugar onde a pureza é plena. É um ponto final para o novo começo!


Continua...

Parte II - Parte III

5 comentários:

  1. Que coisa mais linda!!!! eu chamaria a esse poema " Adágio à Natureza Divina", onde Deus teceu em cores e tons um lugar de destaque para os seus filhos queridos, suas obras e as delícias que você narra tão intensamente.
    Quero ver a outra parte.
    Beijos
    Cris.

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  2. Que bom que gostou tia...estou me arriscando com "contos". Vamos ver onde isso vai terminar...rsrsrsr

    Beijos....

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  3. Gostei de te ler...
    Aproveito para agredecer a sua visita no meu outro mundo...
    Um jinho,
    T!na

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  4. Olá!!

    Que bom que gostou...fico contente!!

    Agradeço a visita, volte sempre!!

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  5. Oi!
    Adoreiiiiiiiiiiii!
    Bjs
    Graci

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