Semana passada, ao chegar a minha casa após o trabalho, liguei a televisão em um telejornal local para ouvir as notícias enquanto esvaziava meus bolsos e minha cabeça. Não demorou muito para ser dada uma notícia que me deixou, no mínimo, perplexo e, pelo tom de voz dos apresentadores e jornalistas, não fui o único.
O apresentador contava em voz inconformada – também pudera – que lojistas da Rua Oscar Freire, aqui de São Paulo, criaram o “Vale Valor”, o que prefiro chamar de “Vale Esmola”. É um vale distribuído aos fregueses que tem a grande oportunidade social de, ao invés de distribuir esmolas, distribuir “Vales Esmolas” aos pedintes. À primeira vista podemos ter a impressão de um sofisticado sistema de amparo social, uma vez que estamos falando de uma das ruas mais glamurosas do mundo. Ainda, considerando os hábitos e estilos de vida dos frequentadores ativos das lojas de alto padrão desta localidade, podemos entender, também, que a dificuldade em manter e carregar os trocados a serem distribuídos como esmolas estaria resolvida. Assim, a nata da sociedade poderia divertir-se nas lojas da Oscar Freire, receber os “Vales Esmolas” – provavelmente proporcionais ao montante gasto, assim os lojistas poderiam se beneficiar do lado emocional dos fregueses –, e distribuí-los teatralmente pelas calçadas aos pedintes. A freguesia e os lojistas poderiam sentir-se heróis sociais enquanto os pedintes poderiam desfrutar de, quem sabe, um desjejum ou até de uma refeição menos indigna.
Tudo parece muito bonito e até louvável se não fosse o fato dos “Vales Esmolas” somente terem valor e poderem ser trocados na “Casa Restaura-me”, uma ONG de apoio a moradores de rua situada no bairro do Brás (para quem não conhece a região, estou falando em cerca de quinze quilômetros de distância). Agora tudo tem um sentido mais claro: a Oscar Freire está ficando feia! E essa foi a maneira que os lojistas, em plena conformidade com os fregueses, encontraram para resolver esse problema. Baseados nos métodos da famosa “Reurbanização” da prefeitura municipal, estão, por conta, reurbanizando os Jardins. Afinal, quem quer exibir uma vitrine, que além de produtos europeus de marcas que tenho dificuldade inclusive de pronunciar, tenha também exposta uma velha suja aos farrapos de nariz escorrendo e fedendo sua desgraça? Ainda, quem quer sair de seu luxuoso carro importado e dividir espaço com esta velha na vitrine da loja e correr o risco dela tocar as barras das roupas pedindo um trocadinho?
Na reportagem: “Não que eles nos incomodem, mas o fato de existir uma situação dessas incomoda as pessoas e dar esmola não resolve nenhuma situação”, diz Rosângela Lyra, presidente da Associação de Lojistas da Oscar Freire.
Bom, até a edição da citada reportagem, a situação era que ninguém ainda havia procurado a Casa Restaura-me para troca dos “Vales Esmolas”. Totalmente justificável uma vez que as pessoas, em primeiro lugar, estão mendigando dinheiro para se alimentar. Talvez, Rosângela Lyra, uma espécie de “Bilhete Único” também pudesse ajudar. Mas não se esqueça de colocar em letras bem pequenas, ilegíveis, o verdadeiro sentido do “Único”: uso único, só de ida. Outra coisa que pode funcionar e é bem simples: experimente atirar ossos bem ao longe, às vezes eles se entretêm com alguma outra coisa e esquecem de voltar – costumava funcionar com os cachorros que apareciam na rua de casa!
Fonte da reportagem: Lojistas estimulam clientes a dar aos pedintes um vale no lugar de esmolas – SPTV Segunda Edição em 14/07/2009.
Pois é! A pobreza só vai mudar de endereço, é a alta desvalorização do ser humano, no lugar colocam flores, e assim os miseráveis são sepultados.
ResponderExcluirExiste hipocrisia maior?
Triste!
Beijos
Cris.
E se mudar...simples como se tratam estas questões....não se resolve o problema, apenas o esconde dos olhos daqueles que convêm.
ResponderExcluirTriste mesmo...
Beijos!!
Eis que vagando pela blogosfeira, encontrei esse espaço. Embora não tenha tido tempo suficiente pra apreciá-lo por completo, gostei do pouco que vi, e estou linkando seu blog para poder voltar a cada atualização! `Parabéns pela sensatez das palavras!
ResponderExcluirAbraços!
Olá Vinícius!!
ResponderExcluirFico muito contente que tenha gostado do que encontrou por aqui! Fique à vontade e volte sempre mesmo!!
Um grade abraço e obrigado pelas palavras de reconhecimento!
Rafael
Gostei muuuuuiiiito dessa matéria!
ResponderExcluirSugiro enviar p/ ser lida na CBN em "histórias de São Paulo", merece!
Beijo,
Marisa
Oi Marisa!!
ResponderExcluirHumm...muito boa idéia, gostei....farei isso!!
Beijos...
"Saiba que tanto o bem quanto o mal é uma questão de rotina e que no decorrer do tempo a máscara se transforma da própria face...". Estas foram palavras de Marguerite Yourcenar em Memórias de Adriano, cujo Imperador no auge da brutalidade romana, suavizou o grande império através do resgate da arte e filosofia grega.
ResponderExcluirAo contrário deste FACISMO escancarado onde uma idiota e seus débeis seguidores também nos lembra José Saramago: A Caverna, pois daqui a pouco, só falta isolar fora das cidades, nossos "párias"...
Parabéns Rafa por cravar suas unhas de águia na tirania da alma humana.
Abraços
Alexandre
Belíssimas referências, Alê!!
ResponderExcluirRealmente são coisas que a cada vez mais me incomodam e parecem despertar algo incontrolável em mim, como uma vontade imensa de devastar estas indiferenças, estas arrogâncias sem fundamentos...
Fico contente que tenha gostado!!
Grande abraço!