Foi depois de muito trotar, de em encruzilhadas nos assustar, de valetas desviarmos, de riachos nos saciarmos e de novos caminhos arriscarmos, que avistamos a casinha.
Já não era mais mata do Caju, nem a do Bourbon e muito menos o Morro Alto.
Apressei-me nas rédeas e ela no galope ligeiro e macio, erguendo poeira na subidão batido.
Parou sozinha à entrada e, ainda sem fôlego, pôs-se a lamber o colonião maduro, como se eu lhe tivesse sussurrado onde eu pretendia apear.
Apeei!
Era meados de julho e já ventava como agosto,
O sol era esbranquiçado e morno, a sombra gelada como só lá.
O vento era seco e incessante, me arranhava gentilmente o rosto, ardia as narinas e ressecava a garganta,
Resfriava o suor do peito meu e do lombo dela – como tanto gostei e há muito não podia.
A casa já não tinha pintura, mas rachaduras.
As telhas se escoravam sacolejando umas as outras,
As janelas estavam podres e não mais preenchiam como antes.
Tijolos quebrados e desarrumados, cobertos por um grosso e gelado tapete de musgo velho, a circundavam revelando o que já fora um tímido calçamento.
O silêncio era atropelado apenas pelo colonião alto e denso que dançava e cantava ressecado ao balanço do vento, rodeando a grande paineira e preenchendo o vazio entre as paredes e os mourões frouxos que um dia recostaram cercas.
A sala era pequena e suja, mas aconchegante.
Restos de cortinas ainda pairavam sobre as janelas.
Uma estante larga e empenada, rejeitada pelos cupins, dividia o espaço com a velha cadeira de repouso de pano comido pelo tempo, sobre o soalho histérico.
Na cozinha, o velho fogão à lenha e a pequena pia de pedra estavam cobertos por poeira e ciscos de cana queimada.
Um pequeno banheiro à moda antiga fazia companhia ao único quarto,
Onde jazia uma velha cama de colchão de palha mofada e deformada.
Foram meses e meses de trabalho pesado, calos novos, feridas velhas e o mesmo eu:
As telhas foram recolocadas, o calçamento aprumado e o musgo raspado.
O colonião virou trato e estofado, a cerca remendada, e uma baia levantada.
As poeiras renovadas, os ciscos assoprados – ao menos até a próxima safra.
As tábuas repregadas, as janelas rematadas
E os restos das cortinas remendaram a velha cadeira, onde agora descanso.
Descanso em paz na entrada, sob a sombra da paineira,
Com minha xícara de café e o cigarro apagado,
Perdido no gélido entardecer alaranjado,
Sentindo no rosto outro vento julino – ou talvez agostino – que me presenteia com todo o meu passado temperado pelo saboroso cheiro da cana jovem.
A cama já está confortavelmente pronta, os lampiões cintilando abastecidos,
E a chaminé denuncia calmamente o fogão acordado que ainda mantém quente o feijão encorpado
Para, quem sabe, alguém que resolva se achegar, ao menos para o jantar!
Adoro cenas rurais com cavalos e trotes, com casas velhas, com poeira, típico interior antigo, aquele tempo gostoso onde a maldade ainda não tinha tanto espaço e vc recria o ambiente com elegância e personalidade.
ResponderExcluirMuito lindo, Parabéns!!!
Beijos
Cris.
Bom, dessas cenas sou suspeito em falar, afinal, foram muitas delas...mas essa da casinha é uma coisa muito legal mesmo, pq juntei sensações que sempre gostei com uma visão que sempre tive...no mínimo aconchegante!
ResponderExcluirBeijos tia...
Rafael!! Mandou muito bem!! Me senti na casa da fazenda. Quando falou do feijão até fiquei com fome!! :) Abraços!
ResponderExcluirAmigo Rafaiel,
ResponderExcluirEssa é a história da grande parte da minha vida,ao ler seu post, é como estar revivendo outros tempos já passados.
Depois comecei a construir eu próprio as paredes de minha casa,hoje sem musgo, e mais aconchegantes,
obrigado pela postagem.
um grande abraço
Muito lindo Rafa... e apesar de tudo, no fundo... alguém para conosco jantar é o que mais queremos...
ResponderExcluirBeijos em ti
Fala cara!!
ResponderExcluirSério? Isso é bom, gosto quando meus textos podem ser "vividos" pelas pessoas, além de mim!
Olha, o feixão tem bacon e paio, e é bem encorpado, tá a fim? Mas leva uma cervejinha..hehehe
Abração!!
Que bacana, José!!
ResponderExcluirGostei de ter contribuído com essas lembranças e de saber que você pôde viver essa descrição.
É...sem musgo, arrumadinha, no caso aqui, até desajeitadinha, mas minha, aconchegante e suficiente!
Obrigado e um grande abraço,
Rafael
Oi Joie,
ResponderExcluirSim, no fim preparamos tudo para esse alguém, a diferença aqui é que tudo foi preparado para nós mesmos, mas se vier o "alguém", será muito bem recebido...rs
Beijos!!
Uma prosa linda, poética, cheia de pormenoras que os nossos olhos acompanham como se estivessemos lá...Sinto o cheiro da madeira ardendo na lareira, oiço o ruído da cadeira onde te sentas, quase dvinhando os teus pensamentos...
ResponderExcluirLindo, muito lindo!
Um beijo.
Graça
Olá Graça!
ResponderExcluirNormalmente fico muito contente quando vejo que meus textos permitem essas sensações a quem os lê, mas nesse caso estou espantado e muito, muito contente pela sua descrição...isso é realmente muito gratificante!
Fico contente pela visita!
Um beijo...
Obrigado pela visita ao Livro amigo, muito bom seu blog, é sempre bom encontrar uma boa leitura, forte abraço e uma bela tarde.
ResponderExcluirOi Rafael,
ResponderExcluirAcredita que ainda vivo hoje essa cena em pleno sec XXI?
A lenha queimando, feijão no fogo, cheiro de mato..
Muito legal gostei do seu cantinho.
Beijos meus
Olá Everson!
ResponderExcluirLegal você por aqui...fico contente que tenha gostado...volete sempre!!
[]'s
Sério, Bandys???
ResponderExcluirMe explica como chega...vou a cavalo também!!
Que bom que gostou daqui, volte sempre!!
Beijos...
Um belo dia pra ti amigo...forte abraço.
ResponderExcluirOlá Rafael!
ResponderExcluirAgradeço muito a sua visita ao Falarteando, e também o seu comentário!
Alegre surpresa o seu blog! Também gosto muito de imagens rurais e fiquei com saudade de um sítio que ainda não tenho! rs
Até!
Olá Marina!
ResponderExcluirBom vc por aqui!
É, desta vez arrisquei de imagem rural, e espero um sitio desse tb..rs.
Mas seu blog foi uma grande descoberta. Imediatamente passei para meu amigo Robinson que, inclusive, o comentou no Twitter!
Té...
OLá Rafael,
ResponderExcluirObrigada pela visita e ao mesmo tempo agradecida por ter-me dado a oportunidade de ler os seus textos magnificos.
Quanto comecei a ler, entrei no seu mundo, é como se estivesse a reviver algo no passado.
Muito bom mesmo!
Beijos.
Maria
Olá Maria!!
ResponderExcluirVocê me deixou sem palavras com esse comentário...fico muito, mas muito contente mesmo...que bom que tenha gostado!
Seja sempre bem-vinda!!
Beijos...
Vinha apenas para agradecer a sua visita ao meu blog e o comentário lá deixado. Dei um volta, ainda em diagonal, e tenho que aqui voltar.
ResponderExcluirO seu é um blog cujos posts nos dão o prazer da leitura. Voltarei e comentarei.
Um abraço
Há tempos minha imaginação não trabalhava tanto... Acabou o texto e eu percebi que não estava na casa da fazenda, era o meu quarto mesmo...
ResponderExcluirÓtimo!!!
Há tempos minha imaginação não trabalhava tanto... Acabou o texto e eu percebi que não estava na casa da fazenda, era o meu quarto mesmo...
ResponderExcluirÓtimo!!!
Grande Carlos!!
ResponderExcluirQue bom que lhe agradou, fico muito contente com isso!
E sim, volte sempre! É muito bem-vindo!!
Grande abraço,
Rafael
Oi Michele!!
ResponderExcluirGosto muito quando consigo passar imagens e sensações pelos meus textos, mas gostei muito de saber que deu para continuar mesmo depois da leitura!!
Muito obrigado!!!
Abraços..
Vim conhecer tua morada e amei o que encontrei.
ResponderExcluirNossa! Escreve muito bem.
O penúltimoparágrafo deste texto é muito tocante.
Para mim é ele que faz toda a história ter vida.Gostei de que tenha passado pelo meu Infinito.
Com certeza passarei por aqui mais vezes.
Beijinhos
Oi Malu!!
ResponderExcluirTEm razão sobre o penúltimo parágrafo...pra mim, é nele que tenho a melhor visão e sensação da cena toda...quase que um "desejo"...
Que bom que tenha gostado...volte sempre mesmo!!
Beijos...
Viva meu caro.
ResponderExcluirAgradeço a visita prestada no "Misantropia".
A tua consideração deixada é acertada - provoca e implica indubitavelmente.
Agradado por te agradar.
Não me leves a mal a pergunta:
Estas poesias são da tua autoria?
Um grande abraço.
Grande Corvo!!
ResponderExcluirQue bom que esteve por aqui...
Sim, são de minha autoria. As que não são, são as de amigos que publico vez ou outra, mas isso é facilmente identificado pelos títulos, onde cito o autor original.
Abraços,
Rafael
boa prosa poética... fluída...!
ResponderExcluirbacana! :)
obrigada pela visita!
o/
oi Rafaela!!
ResponderExcluirQue bom que tenha gostado...e agradeço a visita!!
[]'s